"Sou mulher, negra, africana e refugiada. O meu futuro é lutar pelos direitos humanos”
"Sou mulher, negra, africana e refugiada. O meu futuro é lutar pelos direitos humanos”
Mulher, mãe de cinco filhos e avó. Eu me apresento ao mundo assim, mostrando o orgulho que tenho da minha história.
Nasci em Kinshasa, capital da República Democrática do Congo, e fui criada por uma mulher que me deu muito amor e me ensinou tudo o que sei. Ela também se chamava Prudence e, apesar de ser minha tia por parte de pai, o meu coração sente que ela sempre foi e será minha mãe. Mãe não é só quem nos carrega durante 9 meses na barriga. Mãe é quem cuida, dá atenção e amor.
Minha tia/mãe Prudence perdeu um casal de gêmeos antes de eu nascer. Quando vim ao mundo, ela me deu o nome Libonza, que significa oferta de Deus. Segundo ela, eu fui um presente depois de uma perda tão difícil.
Lá no meu país eu trabalhava com política e com moda. Dois mundos completamente diferentes, mas que de alguma forma se cruzaram em algum momento da minha vida.
Eu sempre tive bastante interesse por moda e beleza e trabalhar com isso era algo que me realizava. Aliás, foi em um desfile que me convidaram para trabalhar com política. A princípio não era algo que eu queria, mas meu pai acabou me convencendo. De segunda a sexta eu ia para o escritório e aos sábados eu desfilava.
Em 2000, participei de um concurso de beleza e foi eleita primeira dama em Miss Élègance. Em 2004, pensei que não iria conseguir conciliar os dois mundos. Para participar do concurso de Miss, escapei do trabalho por algumas horas. Fiquei com medo de ser demitida, mas deu tudo certo e eu fui eleita Miss Congo! Meu chefe me viu na televisão e me deu muito apoio. No dia seguinte, fui recebida no escritório com um monte de presentes. Depois de ser eleita Miss, eu tive um projeto para ajudar jovens mulheres que, assim como eu, enfrentaram preconceito, humilhação e dificuldades por terem se tornado mães.
Mas a vida em Kinshasa nem sempre foi tão boa assim. Mais ou menos nessa época, houve um aumento da violência e uma grande tensão política no ar. O fato de eu ser mãe solo, Miss e trabalhar com política certamente não ajudava.
Um dia, vieram atrás de mim. O meu pai estava sozinho em casa. Depois desse episódio, ele sentiu que eu já não estava mais segura e me disse para sair do Congo.
“Foi em busca de paz que eu deixei tudo para trás”
Eu acredito que enquanto temos vida e a esperança de viver, temos a oportunidade de fazer algo. Depois de tudo o que eu vi e passei, depois de ser perseguida, eu só quero paz. E foi em busca de paz que eu deixei tudo para trás.
A jornada não foi nada fácil. Atravessei um rio com a minha filha e só chegamos na fronteira com Angola depois de percorrer um longo caminho. O Brasil não estava nos meus planos, eu pensava em ir para a Europa. Foi vendo novela que pensei em vir para cá.
Eu cheguei no Rio de Janeiro com a minha filha mais velha. Eu estava grávida e a gente não conhecia ninguém. O começo foi muito difícil porque a realidade é muito diferente daquilo que vemos nas novelas. Eu não falava português direito e a cultura, modo de vestir e pensar que encontrei aqui eram totalmente diferentes. Eu sofria preconceito, mas nem sabia que essa palavra existia. Recebi muito apoio da Caritas Rio, organização parceira do ACNUR.
Eu já estava há sete anos no Brasil, mas senti que as coisas não iam bem no Rio. Assim como os personagens das novelas que tanto assisti, decidi ir para São Paulo atrás de mais oportunidades.
Mas de novo, a realidade foi bem diferente daquilo que eu via nas novelas. No Rio, eu tinha um lugar para chamar de casa, mas em São Paulo não. Eu e minha família precisamos morar em uma ocupação.
Com a ajuda da Missão Paz, organização parceira do ACNUR em São Paulo, consegui o meu primeiro emprego. Minha carteira foi assinada e eu pude comprovar renda. Finalmente consegui uma casa para a minha família.
Achei a partir de então tudo ficaria bem, mas comecei a enfrentar problemas no meu relacionamento. Foi graças ao projeto Empoderando Refugiadas, que é apoiado pelo ACNUR, que aprendi sobre empoderamento feminino.
“A cada encontro eu me sentia mais e mais fortalecida. Passei a conhecer meus direitos”
A cada encontro eu me sentia mais e mais fortalecida. Passei a conhecer meus direitos, a como me defender e aprendi muito sobre o Brasil. Tirei forças para terminar o meu relacionamento de cada um desses encontros e também de outras mulheres.
Eu sempre fui uma mulher empoderada, mas o projeto me ajudou muito. Ser mulher já é difícil, imagina ser mãe não só de uma, mas de cinco crianças. A minha luta de empoderar e mostrar a força das mulheres acabou virando o meu trabalho.
Comecei a ser convidada para falar em alguns eventos e acabei tomando gosto pela coisa. Gosto muito de promover os direitos humanos. Sei que é isso que quero fazer no futuro e por isso estudo todos os dias.
“Sei que as coisas são mais difíceis por eu ser mulher, negra, africana, refugiada”
Não consegui trazer meus diplomas para o Brasil, por isso decidi voltar a estudar para fazer faculdade outra vez. Sei que as coisas são mais difíceis por eu ser mulher, negra, africana, refugiada e não ter diploma acadêmico. Uma qualificação formal pode abrir muitas portas para mim e para outras pessoas também.
Meu sonho é ter um projeto para ajudar mães e crianças em situação de vulnerabilidade, independente da nacionalidade. Sei que nem todas têm as mesmas oportunidades que eu tenho, então eu quero apoiar de alguma forma, pois também já recebi e recebo muito apoio.
Só quem viveu na pele situações de guerra, perseguição e conflitos sabe como é difícil. Um monte de gente está precisando da nossa ajuda agora. E nós que já percorremos esse caminho sabemos como ela é importante.
A Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) atua em 135 países para salvar as vidas, proteger os direitos e garantir um futuro digno às pessoas que foram forçadas a se deslocar em virtude de conflitos, perseguições e graves violações de direitos. Ao fazer uma doação para o ACNUR, você transforma a vida de quem foi forçado a deixar tudo para trás.