Transmissão do bem: rádio comunitária engaja refugiados e migrantes indígenas em Manaus
Transmissão do bem: rádio comunitária engaja refugiados e migrantes indígenas em Manaus
Muito bom dia! Estamos começando mais uma edição da rádio Yakera Jokonae aqui no abrigo Carlos Gomes”, anuncia o indígena Alcioni Torres por meio de um aparelho de som montado no pátio deste novo abrigo para indígenas venezuelanos da etnia Warao na cidade de Manaus. Vivendo na capital amazonense com sua família, Alcione chama a atenção dos moradores do abrigo com sua potente voz e eloquente opinião.
Ele é um dos mobilizadores que participam desde abril das transmissões das rádios comunitárias dos abrigos Carlos Gomes e Nininberg Guerra, em Manaus, mobilizando adultos e jovens na produção de conteúdo participativo para divulgar informações, atualidades e entretenimento.
Esta é uma das estratégias do ACNUR (Agência da ONU para Refugiados) para fortalecer a proteção das populações indígenas venezuelanas no norte do país. Em parceria com o Instituo Mana e Secretaria Municipal da Mulher Assistência Social e Cidadania de Manaus (SEMASC), as rádios comunitárias nos dois abrigos compartilham informações confiáveis e atualizadas sobre a COVID-19. A ação conta com participação da organização Médico Sem Fronteiras (MSF).
Estima-se que cerca de 4 mil indígenas venezuelanos vivam no Brasil, dos quais 600 estejam em Manaus. Deste total, 534 refugiados foram recentemente realocados para espaços mais seguros na cidade, com o apoio das autoridades municipais. Os demais seguem nos abrigos onde já se encontravam, pois não foi necessária sua realocação.
Alcioni, como muitos de seus amigos e parentes, fala o idioma Warao e se comunica em espanhol. Sem dominar o português, este grupo sofre com a barreira do idioma e tem dificuldades para acessar atualizações sobre a pandemia e enfrenta o desafio adicional de passar pelo isolamento social longe de seus lares, em um abrigo temporário.
Com o projeto, Alcioni e a comunidade encontraram motivação para manterem-se informados, se integrarem dentro do abrigo e compartilharem a experiência comum de terem sido forçados a abandonar suas casas e comunidades para escaparem da fome e violência.
“Eu gosto de participar da rádio porque fazemos coisas novas. A comunidade participa, e aprendemos que no isolamento podemos também rir e fazer o que se gosta. E isso nos inspira a fazer coisas boas para o futuro”, ressalta o locutor da rádio Yakera Jokonae.
A pandemia do novo coronavírus é a pauta principal dos programas, que reforçam as medidas de prevenção divulgadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e reportam o número de pessoas infectadas e óbitos. Mas também há espaço e audiência para músicas e assuntos diversos, como futebol e a vida de celebridades.
“Sempre uso o esporte para melhorar o clima e ter assuntos para falar com outras pessoas, para que elas possam se sentir melhores. E, assim, vamos nos ajudando”, reforça Alcioni.
O trabalho começa com dias de antecedência. Cerca de 10 pessoas compõem a equipe de rádio de cada abrigo, que se divide em grupos e discutem pautas e temas de interesse da comunidade. No abrigo Nininberg Guerra, a atividade conta com a liderança de Eudismari Mariano, 30, monitora comunitária Warao.
“Gosto de participar de todo o processo, falando de esporte, medicina, cultura... Tudo isso ajuda a compartilhar coisas que nos interessam com muitas pessoas do abrigo”, afirma a venezuelana que vive no Brasil há 1 ano e 7 meses.
Os programas acontecem semanalmente, são apresentados ao vivo e contam com a participação de convidados especiais, como médicos e trabalhadores humanitários. Não é incomum que os ouvintes façam perguntas, comentários e até mesmo dança e canto de suas canções favoritas, que são amplificadas a partir de um celular. Até novidades sobre celebridades, inclusive infectadas pelo COVID-19, aparecem no roteiro do programa.
“A informação é nossa maior ferramenta de prevenção, e ninguém melhor do que a comunidade para saber a melhor forma de transmiti-las”, destaca a assistente de proteção do ACNUR em Manaus, Juliana Serra.
“Nada melhor do que engajar a comunidade no trabalho prevenção. Como resultado, temos uma comunidade engajada, pessoas informadas e desenvolvendo capacidades e conhecimentos de comunicação. Esse é um espaço em que compartilham também suas preocupações e o que estão vivenciando enquanto refugiados em meio à pandemia”, avalia.
Para Adriana Lira, 26, liderança indígena que repassa informações sobre a rotina e deveres dos acolhidos no abrigo Carlos Gomes, a rádio se tornou uma ferramenta muito útil.
"Todo mundo gostou da rádio no abrigo, pois não é apenas só uma oportunidade de ouvir música, a gente também pode informar sobre a rotina do abrigo, o que fazer e o que não fazer, acaba sendo muito legal para passar informação sobre auxílio emergencial, dizer o que deu certo e o que não deu", destaca.
Esta ação recebe o apoio de doadores como o Escritório de População, Refugiados e Migração (PRM) do Departamento de Estado dos Estados Unidos, que permite ao ACNUR uma maior flexibilidade para o uso de seus recursos por meio de contribuições feitas sem destinação específica, possibilitando a realização de diferentes projetos voltados à proteção da população refugiada em situação de vulnerabilidade.
Emergência dentro da emergência – Com a chegada da pandemia, o ACNUR tem intensificado a resposta emergencial à população venezuelana deslocada a fim de garantir melhores condições de saneamento, acomodação e acesso à informação.
Em Manaus, cerca de 600 indígenas Warao estão sendo apoiados com diversas atividades de proteção à COVID-19, incluindo a realocação para espaços mais seguros apoiados pelas autoridades municipais, onde têm alimentação três vezes ao dia, além de sessões informativas sobre o coronavírus e medidas de prevenção. Para os abrigos, o ACNUR forneceu colchões, camas, kits de higiene e limpeza e orientação técnica.
O ACNUR segue atuando no Brasil e no mundo para proteger refugiados, pessoas deslocadas e comunidades que os acolhem do novo coronavírus.
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