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Uma década depois, refugiados sírios enfrentam 'guerra silenciosa' pela sobrevivência

Comunicados à imprensa

Uma década depois, refugiados sírios enfrentam 'guerra silenciosa' pela sobrevivência

16 Março 2021
A refugiada síria Hala Alhleil, de 35 anos, com sua filha mais nova, Yasmin, em sua casa no Líbano © ACNUR / Haidar Darwish

Seis pessoas dormem juntas em um único quarto úmido  – tomado pelo ar pesado com cheiro de mofo que mancha as paredes e os móveis. É ali que a refugiada síria Hala, de 35 anos, descreve o rumo difícil que sua vida levou desde que ela e sua familia fugiram do conflito em seu país de origem e vieram para o Líbano, 10 anos atrás.


"Nosso principal objetivo era sair da guerra com vida", disse Hala sobre a fuga de sua cidade natal, Hama, em 2011. "No Líbano havia um pouco de serenidade [...]. Nossos filhos ainda iam à escola, eles estavam aprendendo, eles se tornariam algo no futuro e deixariam sua mãe e seu pai orgulhosos".

Mas à medida que a crise na Síria se instalava ano após ano, seus recursos se tornavam cada vez mais escassos e as dívidas começavam a se acumular. Os três filhos mais velhos de Hala tiveram que abandonar a escola, e o mais velho, Amer, 16 anos, começou a trabalhar para complementar o trabalho diário do pai.

Infelizmente, a situação de Hala tornou-se a norma para as famílias atingidas pela maior crise de refugiados do mundo.

Agora em que o conflito sírio completa sua primeira década, em vez de ficar mais fácil, a vida diária dos 5,6 milhões de refugiados que vivem nos países vizinhos da região se torna mais difícil do que nunca.

Enquanto a pobreza e a insegurança alimentar aumentam, as matrículas escolares e o acesso à saúde diminuem. Além disso, a pandemia da COVID-19 dizimou grande parte do trabalho informal do qual os refugiados dependem.

"Uma coisa depois da outra, tudo o que fiz [...] nos últimos seis a sete anos se foi, não sobrou nada", disse o marido de Hala, Yasser. "A situação é muito difícil [...]; ela está em nós, as crianças foram afetadas e ficaram deprimidas".

"Tenho 16 anos - com esta idade eu deveria estar vivendo os melhores dias da minha juventude", acrescentou Amer. "Abandonar a escola me fez sentir como se eu fosse indesejado nesta vida. Eu costumava trabalhar 12 horas por dia, de pé, enquanto deveria estar na escola estudando".

A crise financeira do Líbano desvalorizou a moeda local e os preços dos itens básicos do dia a dia dispararam. Combinado com os efeitos econômicos devastadores da pandemia de COVID-19, a proporção de refugiados sírios no país vivendo sob a linha de pobreza extrema aumentou para quase 90% até o final de 2020.

"É como se vivêssemos em uma guerra diária"

Tanto Amer como seu pai Yasser perderam seus empregos durante a pandemia, e agora a família enfrenta dificuldades para colocar comida na mesa e teme ser despejada do apartamento úmido que deixou dois de seus filhos sofrendo de asma grave.

A saúde mental da família também sofreu com a situação. Hala passou vários dias sem conseguir sair da cama e tanto ela quanto Amer estão com pensamentos suicidas. Essa situação não é isolada e faz parte de um padrão entre refugiados sírios que sofrem com o aumento de problemas de saúde mental, uma das consequências do deslocamento prolongado, a pandemia e o declínio das condições econômicas. No final de 2020, um callcenter dirigido pelo ACNUR no Líbano relatou um aumento de chamadas de refugiados pensando em suicídio e automutilação.

Yasser resumiu a situação e afirma que, apesar de terem escapado do conflito na Síria, "é como se estivéssemos vivendo uma guerra diária; uma guerra silenciosa, doméstica".

Em toda a região, o mesmo quadro se repete para outros sírios que fugiram do conflito ao longo da última década. Natural de Homs, Ahmad, 45 anos, deixou a Síria no final de 2011 e foi para a Líbia, onde esperava que o número relativamente menor de refugiados sírios lhe oferecesse mais chances de encontrar trabalho como um ladrilhador experiente.

"No início, quando viemos para cá, as coisas estavam bem. Mas depois a situação mudou. Testemunhamos guerra na Síria, depois vimos a guerra novamente aqui na Líbia", disse Ahmad, referindo-se à violência e instabilidade que irromperam em 2014, após a primeira guerra civil do país em 2011.

"2020 foi o ano mais difícil para mim. Não só os combates ainda estavam em curso, mas a pandemia do coronavírus começou", disse Ahmad, que vive com sua esposa e cinco filhos em Trípoli, capital da Líbia. "Minha maior preocupação é como posso ganhar a vida hoje em dia. Há apenas alguns anos era muito fácil encontrar trabalho, havia muitos empregos, e eu podia encontrar serviços todos os dias. Esse não é o caso agora. "

Sua situação precária na Líbia levou Ahmad a considerar o deslocamento da família mais uma vez, mas ele e sua esposa Ghadir disseram que não poderiam contemplar o retorno à Síria no momento.

 

A prolongada crise tem causado um impacto desproporcional em grupos vulneráveis como crianças - que constituem quase metade de todos os refugiados sírios -, pessoas idosas, deficientes, mulheres e mães solo.

Asma*, 40 anos, é natural de Raqqa, na Síria, mas em 2015 fugiu com seus três filhos para Izmir, na Turquia ocidental. A Turquia acolhe o maior número de refugiados sírios no mundo, cerca de 3,6 milhões.

"Saí da Síria porque perdi meu marido durante a guerra - ele foi morto durante o bombardeio", explicou Asma. "Quando vim para a Turquia, pedi dinheiro emprestado às pessoas e comecei a trabalhar. Além disso, algumas pessoas me ajudaram quando eu vim para cá pela primeira vez. Eu comecei a receber assistência financeira. Meus filhos começaram a frequentar a escola. Nos sentimos mais seguros aqui."

Porém, após vários anos se sustentando e se sentindo segura, o declínio da saúde de Asma e a dificuldade em acessar cuidados médicos devido à barreira linguística impossibilitaram que ela continuasse seu trabalho em uma fábrica de vestuário. Asma agora luta para suprir suas necessidades, e somente seu filho Ahmed, 13 anos, ainda frequenta a escola.

"O maior problema para mim agora é como pagar o aluguel e as contas", disse. "Para a comida, graças a Deus temos pessoas ao nosso redor que nos ajudam. Mas o aluguel e as contas são caros, e ainda precisamos pagar a eletricidade, a água e a internet. Especialmente para o meu filho Ahmed, que tem aulas on-line. Precisamos da Internet."

A renovação do apoio financeiro e de longo prazo da comunidade internacional é necessário para mitigar os impactos econômicos da COVID-19 e deter o declínio do padrão de vida. No ano passado, apenas cerca da metade do financiamento total solicitado pelas organizações de ajuda para atender às necessidades crescentes dos refugiados sírios e seus anfitriões foi entregue, o valor mais baixo desde 2015.

Sem o fim da crise à vista, existe o risco de que a diminuição do apoio internacional e a deterioração das condições econômicas para milhões de refugiados e membros vulneráveis das comunidades locais que os acolhem possam diminuir o progresso anterior e reduzir o acesso à educação e à subsistência, ameaçando o futuro de toda uma geração. Muitos já sentem que é tarde demais.

Khalil, 18 anos, deixou a região rural de Alepo em 2013 com sua família e se estabeleceu em Amã, capital da Jordânia. No início, o jovem brilhante e falador conseguiu continuar sua educação em uma escola local. Mas com apenas 13 anos, ele teve que abandonar os estudos e começar a trabalhar para ajudar a sustentar sua grande família.

"Algumas crianças que tiveram que desistir de seus sonhos"

"Eu costumava querer ser médico na Síria, mas me tornar um refugiado mudou isso", disse Khalil. "Algumas crianças que tiveram que desistir de seus sonhos."

Agora, ele trabalha seis dias por semana como mecânico, ganhando 7 dinares jordanianos (US$ 10) por dia, independentemente das horas, que muitas vezes são longas. "É cansativo", disse Khalil.

Assim como milhões de outros refugiados sírios ainda espalhados pela região, apesar de ter escapado do conflito do país, Khalil viu suas perspectivas evaporarem. À medida que a crise se agrava após 10 anos, ele agora contempla o futuro com um sentimento de resignação.

"A vida continua, de qualquer forma", disse. "Esse é meu destino; tenho que aceitá-lo e viver com ele."

*Nomes alterados por razões de proteção

Reportagem por Dalal Harb em Beirute; Caroline Gluck em Trípoli; Cansin Argun em Ancara; e Nida Yassin em Amã. Escrito por Charlie Dunmore.


10 anos podem ter se passado, mas a tragédia continua. 10 anos de batalhas diárias por segurança. 10 anos de dificuldades para encontrar um lar. 10 anos tentando sustentar a família. 10 anos de esforço para matricular as crianças na escola. Esta é uma pequena fração dos impactos de 10 anos de crise na Síria.

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