Venezuelanas negras encontram no empoderamento econômico uma forma de enfrentar o racismo e a xenofobia
Venezuelanas negras encontram no empoderamento econômico uma forma de enfrentar o racismo e a xenofobia
Por muito tempo, a venezuelana Leona sentiu vergonha da própria cor. Como mulher negra, sua vida é marcada pelo racismo em diferentes esferas, desde a infância até a vida adulta. Quando chegou ao Brasil, no último dia de 2021, o histórico de racismo era um dos pesos que agravavam seu quadro de depressão. Hoje, ele é um inimigo que ela faz questão de vencer todos os dias.
“Quando alguém diz que sou morena, eu logo respondo que não, que sou negra! Eu aprendi a me amar, a amar a minha pele, eu amo a minha cor. Por muito tempo, vivi sem autoestima e sem saber o que minha cor significa. Hoje, tenho um sentimento que não consigo explicar quando sei de todas as coisas pelas quais passaram meus ancestrais – na escravidão, a valentia e a coragem que tiveram para lutar por liberdade. Eu sinto muito orgulho disso”, declara.
História de luta
O sentimento de Leona vai ao encontro de anos de lutas que marcam a vida das mulheres negras. Para lembrar a resistência e o enfrentamento da mulher negra contra o racismo e o sexismo, e a importância da união das mulheres negras em todo o mundo, o dia 25 de junho é marcado como o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. A data foi instituída em 1992, quando foi realizado o primeiro encontro de mulheres negras latino-americanas e caribenhas em Santo Domingo, na República Dominicana. No Brasil, a data também marca o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, em homenagem à líder quilombola do século XVII.
Leona conta que o trabalho com sua autoestima começou quando chegou ao Brasil. Acompanhada de seus quatro filhos, ela veio em busca de tratamento médico e de um futuro melhor para a família. Enquanto estava em um abrigo em Boa Vista, conheceu o programa Moverse e o projeto Empoderando Refugiadas. Foi quando começou a fazer cursos e a ter acesso a mais possibilidades de desenvolvimento pessoal.
“No abrigo, comecei a ter atendimento psicológico, porque estava em depressão. Dói sair do próprio país, sozinha com os filhos, sem saber para onde ir e como iremos viver. Graças a Deus, procurei ajuda, e depois comecei a fazer cursos. Fiz o de atendimento e vendas, do Empoderando Refugiadas, participei de diferentes atividades no abrigo”, lembra. Há pouco tempo, Leona também conseguiu concluir o ensino médio.
“Em todos esses cursos, aprendi o que é ser empoderada, aprendi a importância do conhecimento, ele te faz livre, independente. Isso é muito importante, principalmente para nós, que somos mães solo e que somos mulheres negras”, destaca. “Tem coisa que eu não consegui fazer no meu país, mas consegui aqui. Adquiri muito conhecimento, aprendi a ser comunicativa, aprendi sobre outra cultura, consegui terminar o ensino médio e agora vou começar um empreendimento. Além disso, vou continuar trabalhando como cuidadora de idosos, e quero seguir estudando. Minha história só está começando. Saber disso e ver que minha vida mudou por completo, me emociona muito. Esse é só o começo da minha história.”
Empoderamento e inclusão
É por meio do trabalho e dos estudos que a venezuelana Lorena também tem buscado construir sua história. Há quase três anos no Brasil, ela fez cursos, ganhou qualificação para o mercado de trabalho e foi interiorizada de Roraima para São Paulo, pela modalidade de vaga de emprego sinalizada (VES). Em pouco tempo, conseguiu juntar dinheiro suficiente para construir a casa própria na Venezuela, onde a família permanece. Para ela, foi apenas o primeiro de muitos sonhos que tem buscado realizar.
“Vim muito jovem para o Brasil, nunca tinha trabalhado na Venezuela, porque era menor de idade. Então, cheguei aqui sem experiência, e fazer os cursos foi importante porque me ajudou a conseguir uma vaga de trabalho. Vim para São Paulo para trabalhar como assistente de loja. Foi meu primeiro emprego, aprendi muito, tínhamos muitos treinamentos e eu fazia todos”, lembra Lorena.
Atualmente desempregada, Lorena conta que passa por situações de racismo e de xenofobia em algumas entrevistas de emprego, mas que isso não irá impedi-la de seguir em frente. “Minha cor é muito importante para mim, me sinto honrada em ser negra. Mas sinto que às vezes as pessoas, nas entrevistas de trabalho, se sentem incomodadas por eu ser negra”, conta. “Com o trabalho, aprendi a lutar por minhas coisas, a ter o que quero com o meu suor. Isso é muito importante. Quero voltar a trabalhar, voltar a estudar, cursar faculdade de administração para ser reconhecida onde eu for. Cheguei aqui com meus sonhos, e vou seguir trabalhando duro até conquistá-los.”
Sobre o Moverse
Tanto Leona quanto Lorena foram beneficiadas pelo programa Moverse, uma iniciativa implementada pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), ONU Mulheres e Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), com o apoio do Governo de Luxemburgo. Iniciado em setembro de 2021, o programa conjunto MOVERSE - Empoderamento Econômico de Mulheres Refugiadas e Migrantes no Brasil tem como objetivo geral garantir que políticas e estratégias de governos, empresas e instituições públicas e privadas fortaleçam os direitos econômicos e as oportunidades de desenvolvimento entre venezuelanas refugiadas e migrantes. Para alcançar esse objetivo, a iniciativa é construída em três frentes. A primeira trabalha diretamente com empresas, instituições e governos nos temas e ações ligadas a trabalho decente, proteção social e empreendedorismo. A segunda aborda diretamente mulheres refugiadas e migrantes, para que tenham acesso a capacitações e a oportunidades para participar de processos de tomada de decisões ligadas ao mercado laboral e ao empreendedorismo. E a terceira frente trabalha também com refugiadas e migrantes, para que tenham conhecimento e acesso a serviços de resposta à violência baseada em gênero. Para receber informações sobre o Moverse, inscreva-se na newsletter.