Ameaças de gangues aumentam o deslocamento interno em Honduras
Ameaças de gangues aumentam o deslocamento interno em Honduras
TEGUCIGALPA, Honduras, 07 de setembro 2016 – Em uma tarde no mês de março, Yessenia* dobrava a esquina quando viu um grupo de quatro rapazes agredindo um outro jovem. Eles também a viram. “É a professora!”, ela se lembra de um deles ter gritado antes de se dispersarem.
O menino que foi deixado para trás estava tão machucado que, à primeira vista, Yessenia não o reconheceu como sendo um de seus alunos na escola onde ela dava aula em Tegucigalpa, a capital hondurenha. “Se eu não tivesse aparecido, eles teriam o matado”, ela diz.
Mas a sensação de alívio por ter salvado a vida do jovem rapaz não durou muito tempo. Dois dias depois, ela viu um outro grupo de rapazes que ela não conhecia próximo à escola em que trabalhava. Impossibilitada de desviar o seu caminho, ela apenas disse “bom dia”, olhou para baixo e continuou o seu caminho.
Mais tarde, ela ouviu que suspeitos membros de uma gangue de rua, conhecida como “maras”, que comete crimes desde extorsões e roubos até assassinatos, havia tentado sequestrar um rapaz de 21 anos, que acabou sendo salvo pois a polícia chegou a tempo.
Todo mundo conhece alguém que teve a casa incendiada ou um filho aliciado pelas gangues.
As gangues frequentemente assassinam pessoas que testemunham seus crimes. Yessenia testemunhou dois crimes em poucos dias, e sabia que se caso prestasse queixa à polícia seria marcada como informante.
Atormentada, com medo e ansiedade, ela não conseguia mais comer ou dormir e acabou ficando hipertensa. Ela solicitou uma transferência e deixou a escola onde havia dado aulas por 12 anos sem contar a ninguém os reais motivos. A senhora de 56 anos de idade é hoje uma entre os milhares de hondurenhos que foram forçados a se deslocar dentro das fronteiras da América Central devido à violência das gangues. Um relatório do governo publicado no ano passado estimou que 174.000 pessoas foram deslocadas dentro do país nos dez anos que antecederam 2014. Um número crescente também solicitou refúgio no exterior.
Enquanto ainda estava na escola, Yessenia recebia telefonemas frequentes de pais de alunos desesperados para conseguir transferir seus filhos para fora da vizinhança dominada pelo crime. Ela conta que 60 alunos deixaram a escola entre março e maio, cerca da metade que estavam matriculados. O diretor da escola também fugiu. Famílias de San Pedro Sula, a segunda maior cidade do país, que em 2014 registrou a maior taxa de homicídios do mundo, convive com o mesmo temor. Os moradores do bairro marcado pelo crime, Rivera Hernández, disseram que muitos vizinhos estavam abandonando suas casas para ir para os Estados Unidos e México.
Conversando com membros da comunidade de lá, todo mundo conhece alguém que teve a casa incendiada, um filho aliciado pelas gangues, ou parente que foi assassinado ou teve que fugir.
San Pedro Sula, a segunda maior cidade do país, que em 2014 registrou a maior taxa de homicídios do mundo.
“As pessoas estavam partindo em manadas”, disse Dolores*, a diretora de uma escola de lá. Esses dias, ela disse que eles perdem em média dez alunos por ano que são forçados a deixar a escola por causa de ameaças ou atos de violência cometidos pelos maras.
Uma desta pessoas é Maria*. A jovem de 16 anos de idade adorava ir à escola, mas disse que teve que desistir de seu sonho de estudar finanças quando um gangster local quis que ela fosse sua namorada.
“Eu sabia que seria muito ruim para mim se eu ficasse com ele”, ela diz. Existem sete gangues diferentes disputando o controle de Riviera Hernández. Em um local onde as gangues disputam cada quarteirão para extorquir comerciantes, se associar a um mara poderia ser uma sentença de morte se ela passasse por uma rua dominada pela gangue adversária.
Maria tentou rejeitar as investidas do membro da gangue, mas ele foi persistente. Ele a esperava do lado de fora da escola e a seguia. Temendo que fosse forçada a se relacionar com ele, ou mesmo que fosse estuprada, Maria fez a única coisa que estava a seu alcance para evita-lo: parou de frequentar a escola.
O Representante do ACNUR em Honduras, Andrés Celis, disse que esse tipo de violência que força o deslocamento e desestabiliza a vida de pessoas como Yessenia e Maria é um grande desafio para o governo. Existem mecanismos para as pessoas pedirem proteção ao Estado, mas cada caso é tratado numa base ad hoc.
Por esse motivo, o relator especial das Nações Unidas para os direitos humanos dos deslocados internos, Chaloka Beyani, recomenda que Honduras tome providências para adotar um sistema que defina claramente uma resposta do governo para pessoas que fogem da violência, incluindo uma forma segura para que eles se declarem deslocados e que abrigo e realocação sejam oferecidos.
Mas, antes que esse tipo de sistema tenha êxito, o governo deve trabalhar para reestabelecer a confiança entre a comunidade e a polícia. O mesmo medo que faz com que pessoas deixem suas casas também os impede de buscar ajuda por temer que isso se torne uma ameaça à suas vidas. Isso se aplica, sobretudo, quando as pessoas deslocadas veem a polícia e outras autoridades do governo como cumplices dos maras.
O mesmo medo que faz com que pessoas deixem suas casas também os impede de buscar ajuda.
Até agora, Honduras é o único país da América Central que reconhece oficialmente o deslocamento forçado de sua população causado pela violência das gangues. O governo se comprometeu a elaborar uma legislação até o final do ano para formalizar mecanismos que ofereçam proteção para aqueles forçados a fugir da violência. Entretanto, por enquanto o país enfrenta lacunas na sua capacidade de fornecer proteção básica e recursos para aqueles que necessitam.
A Agência da ONU para Refugiados está respondendo com medidas que incluem a prestação de assistência técnica às autoridades governamentais e locais para desenvolver e implementar quadros jurídicos nacionais e políticas públicas para a proteção de pessoas deslocadas pela violência. Outros passos incluem monitoramento de áreas de alto risco de deslocamento interno, assim como a trabalhar para melhorar as condições de acolhimento.
"Nós não podemos esperar até que a situação se torne mais intensa", diz Celis. "O governo de Honduras chamou o ACNUR e reconheceu que aqui há um problema com o deslocamento forçado. Quando eles chamam, nós temos que responder”.
*Os nomes foram alterados para proteger os entrevistados.