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Discurso de abertura do Alto Comissário da ONU para Refugiados no Fórum Global sobre Refugiados

Comunicados à imprensa

Discurso de abertura do Alto Comissário da ONU para Refugiados no Fórum Global sobre Refugiados

13 Dezembro 2023
Líderes que participam do Fórum Global sobre Refugiados 2023 se reúnem para a sessão plenária de abertura do evento. © ACNUR/Will Swanson

Vossa Majestade,

Distintos participantes do Fórum Global sobre Refugiados,

Os números não contam histórias reais. Mas há um número - 114 milhões - que é importante para iniciar nossa reflexão: 114 milhões representam o número de pessoas refugiadas e deslocadas que a perseguição, as violações dos direitos humanos, a violência, os conflitos armados e as graves desordens públicas forçaram a deixar suas casas: 114 milhões de sonhos destruídos, vidas interrompidas, esperanças quebradas. É um número que reflete uma crise - na verdade, muitas crises - da humanidade. No entanto, ele também representa a generosidade e a hospitalidade das pessoas que abrem seus corações e lares para aqueles que estão se deslocando. Pessoas que muitas vezes têm tão poucos recursos quanto aqueles que tiveram que deixar tudo para trás.

Mas nosso mundo também está ameaçado por profundas desigualdades, pobreza generalizada e mudanças climáticas; a segurança é uma preocupação física e virtual; e a COVID-19 revelou quanto estamos expostos a riscos de saúde. Portanto, às vezes é fácil esquecer que o deslocamento forçado também continua sendo um problema não resolvido que preocupa a todos nós, e não apenas quando vemos imagens de fluxos maciços ou quando as pessoas refugiadas batem à nossa porta. E que, assim como outros desafios globais, é dificultado por uma comunidade internacional cada vez mais dividida.

Portanto, que os refugiados não sejam esquecidos em meio à multiplicidade de outros desafios, alguns dos quais podem parecer maiores e mais urgentes: 114 milhões de pessoas é um número tão grande e urgente quanto possível. É por isso que este Fórum Global sobre Refugiados é oportuno: porque é uma oportunidade para que todos nós nos comprometamos novamente com algumas ações básicas necessárias para responder ao deslocamento forçado: proteger as pessoas forçadas a se deslocar e compartilhar a responsabilidade com aqueles que as hospedam; garantir que as pessoas refugiadas tenham a oportunidade de contribuir com as comunidades e nações que lhes dão asilo; redobrar os esforços para resolver seu exílio; e lutar para combater as causas básicas de suas saídas.

Vossa Majestade,

Senhoras e senhores,

Uma grande catástrofe humana está ocorrendo na Faixa de Gaza e, até o momento, o Conselho de Segurança não conseguiu deter a violência. Os eventos que ocorreram em Israel e em Gaza desde 7 de outubro estão fora do mandato do ACNUR. Tragicamente, porém, prevemos mais mortes e sofrimento de civis, além de mais deslocamentos que ameaçam a região. Não posso abrir o Fórum Global de Refugiados sem antes fazer eco ao apelo do Secretário-Geral das Nações Unidas por um cessar-fogo humanitário imediato e sustentado, pela libertação dos reféns e pela retomada - finalmente - de um diálogo genuíno que, de uma vez por todas, ponha fim ao conflito e traga paz e segurança reais aos povos de Israel e da Palestina. Convidei meu colega e amigo Philippe Lazzarini, Comissário-Geral da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA), para fazer um comentário especial nesta tarde, a partir da perspectiva da agência encarregada de assistir e apoiar os refugiados palestinos e, portanto, mais intimamente envolvida na resposta humanitária em Gaza.

Embora o foco em Gaza permaneça e deva permanecer, tenho um apelo a fazer: por favor, não percam de vista outras crises urgentes humanitárias e de refugiados. A situação dos civis no Sudão e na Ucrânia, incluindo milhões de pessoas refugiadas e deslocadas, exige nossa atenção e apoio, assim como as crises prolongadas, como a situação dos rohingyas, a situação na Síria, no Afeganistão, as lutas contínuas na República Democrática do Congo, a crescente insegurança no Sahel, os dramáticos fluxos populacionais nas Américas, no Mediterrâneo e na Baía de Bengala, e muitas outras.

A maioria dessas crises, como todos sabemos, persiste devido à falta de soluções políticas para os conflitos - a incapacidade de estabelecer a paz - pelas partes envolvidas nos conflitos e pelos Estados com influência, cada vez mais combinada com as mudanças climáticas e outras emergências. Tudo isso deixa os cidadãos comuns expostos a terríveis dificuldades, a violações dos direitos humanos e ao deslocamento. Nessas situações, portanto, não podemos - no mínimo - negligenciar nossa obrigação fundamental com a humanidade e garantir o fornecimento de proteção e assistência humanitária básica. Eu seria negligente se não mencionasse que muitas organizações humanitárias estão enfrentando sérios desafios de financiamento: somente o ACNUR está precisando de US$ 400 milhões para encerrar o ano com o mínimo de recursos necessários, um déficit que não experimentamos há anos; e todos nós estamos olhando com muita preocupação para 2024. Permitam-me aproveitar este momento e a presença de muitos doadores generosos para fazer o mais veemente apelo para que reforcem seu apoio financeiro. Porque, infelizmente, a situação do mundo é tal que precisamos - vocês precisam - de organizações humanitárias fortes.

Vossa Majestade,

Senhoras e senhores,

Ao encerrarmos o 1º Fórum Global sobre Refugiados, há quatro anos, eu disse que tínhamos "os ingredientes de um sucesso". Hoje, esses 'ingredientes' se transformaram em um motor que pode nos levar muito mais longe, graças ao esforço conjunto de tantas pessoas aqui nesta sala e fora dela - Estados, é claro, mas também ONGs nacionais e internacionais, organizações locais e lideradas por refugiados (e os próprios refugiados, incluindo os mais de 300 que estão participando deste Fórum), mas também órgãos esportivos, instituições financeiras internacionais, líderes religiosos, acadêmicos, setor privado e cidadãos que têm contribuído com o que podem, no espírito positivo de "toda-a-sociedade" que é uma marca registrada do Pacto Global sobre Refugiados.

Por isso, gostaria de agradecer a vocês.

E gostaria de agradecer à nossa coanfitriã, a Suíça, por seu forte apoio a essa causa.

Gostaria, é claro, de expressar minha sincera gratidão aos coorganizadores - Colômbia, França, Japão, Jordânia e Uganda - por sua liderança, orientação e diligência na preparação deste Fórum, mas ainda mais por sua solidariedade inabalável com os refugiados ao longo de muitos anos, como anfitriões ou doadores.

Eu seria negligente se não agradecesse - e muito especialmente - a Vossa Majestade, não apenas por nos honrar com sua presença hoje e por seu próximo discurso inaugural, mas também pela hospitalidade de longa data do Reino Hashemita para com as pessoas refugiadas, que tive o privilégio de testemunhar e admirar por muitos anos, em meu próprio serviço na UNRWA e em minha função atual. Não apenas os que vieram do Iraque e da Síria nas últimas décadas, mas também os refugiados da Palestina desde 1948.

Não é coincidência o fato de Jordânia, Colômbia e Uganda serem coorganizadores. Eles representam os países anfitriões - os principais países anfitriões - que, às vezes por décadas, muitas vezes com pouco apoio externo, abrigaram, protegeram e ajudaram os refugiados. O preâmbulo da Convenção sobre Refugiados de 1951 faz um apelo explícito à cooperação internacional para aliviar, cito, "fardos excessivamente pesados" representados pela "concessão de asilo". Uma das minhas mensagens mais fortes para os senhores hoje é exatamente a seguinte: não podemos subestimar o papel que os países e as comunidades anfitriãs desempenham no salvamento de vidas, e nunca devemos esquecer o preço que eles pagam - em nome de todos nós - ao proporcionar esse bem público global.

O Pacto Global sobre Refugiados, afirmado pelas Nações Unidas em 2018 e a base deste Fórum, foi criado exatamente com o objetivo de buscar um maior compartilhamento de ônus e responsabilidades em questões de refugiados. É verdade que, em alguns lugares, temos visto ações que visam exatamente o oposto, violando o direito internacional ou afastando os refugiados, construindo muros jurídicos ou físicos ou terceirizando responsabilidades; políticas que, a propósito, são erradas e ineficazes. E não podemos ignorar o fato de que muitos dos refugiados mais vulneráveis e dos países e comunidades anfitriões não receberam o apoio que necessitam e merecem.

Mas é importante reconhecer que, apesar de todos os desafios, de fato fizemos muito progresso; progresso alcançado pelo trabalho conjunto.

Progresso obtido por meio de grandes compromissos multilaterais, bem como de iniciativas regionais, como as das três (e em breve quatro) Plataformas de Apoio Regional. Progresso também em inúmeras outras iniciativas de pessoas determinadas a melhorar a vida dos refugiados e de seus anfitriões.

Progresso na promoção da autossuficiência dos refugiados, na redução da dependência da ajuda, na busca de soluções em países terceiros e na melhoria das condições para o retorno voluntário por meio de mais de 1.700 compromissos assumidos no primeiro Fórum por cerca de 130 Estados e 550 entidades não estatais.

O progresso foi liderado por países anfitriões que adotaram políticas que não apenas fornecem acesso ao território e à segurança, mas também a serviços de educação e saúde ou, em alguns casos, à sua própria terra - pelo menos até que os refugiados possam encontrar soluções duradouras, em especial voltando para casa com segurança e dignidade. Muitos Estados permitiram a liberdade de movimento dentro de seus países e o acesso ao emprego, ampliando as oportunidades.

O progresso foi promovido pelos doadores que entenderam a importância de apoiar esses esforços, ajudando a fortalecer os serviços nacionais nos países anfitriões, a financiar a infraestrutura e as oportunidades de emprego, o que pode aumentar a autossuficiência dos refugiados e o PIB do país anfitrião, além de reduzir o custo da inclusão nos serviços nacionais.

No entanto, não devemos considerar a generosidade dos países anfitriões como algo natural. Lembremos que a maioria das pessoas refugiadas - 75%, para ser mais exato - é acolhida por países de renda baixa e média, que muitas vezes já estão lutando para prover e cuidar de seus próprios cidadãos.

É por isso que o apoio internacional é tão importante e deve ser reforçado.

Gostaria de agradecer ao Banco Mundial por continuar a ser um líder nesse sentido e um verdadeiro parceiro do ACNUR e dos países que acolhem refugiados. Mas também há outros - como os bancos regionais de desenvolvimento na África, na Ásia, no Oriente Médio e nas Américas - que têm feito muito, assim como os doadores bilaterais para o desenvolvimento, como o Japão e a França, que aqui representam a si mesmos e a muitos outros doadores comprometidos: e eu gostaria de fazer um apelo a outros países com recursos para que se juntem a eles. Além da ajuda humanitária, bilhões de dólares em assistência ao desenvolvimento foram liberados nos últimos anos para os países e comunidades que recebem pessoas refugiadas - dinheiro que, na ausência do Pacto e do trabalho determinado de tantos de vocês, não teria se materializado.

O setor privado também se tornou um parceiro fundamental, não apenas por meio de contribuições filantrópicas (que no ano passado representaram um percentual sem precedentes de 20% da receita do ACNUR), mas também pela forma como trouxe sua própria experiência para as respostas aos refugiados, com recursos muito necessários, inovação, orientação, emprego, sua própria voz e muito mais.

As soluções de países terceiros também cresceram com o aumento do reassentamento e dos chamados "caminhos complementares": bolsas de estudo, caminhos de mobilidade de trabalho e outras oportunidades de mudança de vida que ajudam as pessoas refugiadas e são uma demonstração clara de compartilhamento de ônus e responsabilidade, que deve continuar e ser significativamente ampliado.

Por último, mas não menos importante, nesses últimos quatro anos, o ACNUR tem pressionado para que mais trabalho seja feito nos países de origem dos refugiados. Em alguns lugares, onde o progresso político foi limitado, isso gerou discussões difíceis com algumas de nossas partes interessadas. Compreendo as diferentes posições e a política envolvida nesse processo muitas vezes delicado. No entanto, continuaremos a pressionar por soluções. Não apenas porque isso faz parte do mandato que os Estados atribuíram ao ACNUR. Não apenas porque é um pilar do Pacto Global sobre Refugiados. Não apenas porque os países anfitriões exigem, com urgência, progresso nessa área.

Mas porque o maior desejo de quase todas as pessoas refugiadas é voltar para casa, voluntariamente, em segurança e com dignidade.

Mas a realidade é que nós - que vocês, Estados - simplesmente não estamos fazendo o suficiente para remover os obstáculos ao retorno, que também são as raízes de mais deslocamentos. Para isso, é preciso fazer mais para alcançar a paz. Porque as organizações humanitárias, como o ACNUR e muitas outras aqui representadas, não podem fazer muito se o conflito, a violência e a perseguição persistirem.

Vossa Majestade,

Senhoras e senhores,

Nesta semana, comemoramos o 75º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Aqui, hoje, acredito que seja apropriado lembrar que, se seu terceiro artigo fosse respeitado sempre e em todos os lugares - e eu o cito: "Todos têm direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal" - não haveria refugiados.

Portanto, nestes tempos conturbados e em meio a tantas divisões, aqui vai meu apelo mais forte: façamos deste Fórum Global sobre Refugiados um momento de unidade, no qual todos nós unamos forças para garantir que aqueles que fogem porque sua vida, liberdade e segurança estão ameaçadas possam encontrar proteção; e que tudo seja feito para resolver seu exílio o mais rápido possível.

Muito obrigado.