Entrevista com o roteirista e diretor colombiano Carlos Gaviria e com a atriz Indhira Serrano
Entrevista com o roteirista e diretor colombiano Carlos Gaviria e com a atriz Indhira Serrano
Entrevista com o roteirista e diretor colombiano Carlos Gaviria, que apresenta "Retratos en un mar de mentiras" (Retratos em um mar de mentiras), um longa-metragem sobre o deslocamento em seu país; e com a atriz Indhira Serrano que participou do filme como a personagem da professora que educa a protagonista e a salva de uma tragédia. "Retratos en un Mar de Mentiras" ganhou muitos prêmios, entre eles o de melhor filme Iberoamericano e o de Melhor filme estreante no Festival de Cinema de Cartagena. Além disso, está nomeado ao Festival Europeu e Americano.
Entrevista com Carlos Gaviria:
1) Como nasceu a idéia deste filme?
Escrevi a primeira versão do roteiro há mais de quinze anos. Eu levava muitos anos estudando fora da Colômbia e queria fazer um filme sobre o meu país. Há no filme muitos elementos que são frutos da saudade, as paisagens, a comida, as pessoas pelo país, o lado bom de sua gente. Ao voltar para a Colômbia e ver o estado em que estava, surgiram outros elementos para a história, principalmente com respeito à guerra, à indiferença de um país que se acostumou a viver em meio a um conflito interno, que não se horroriza diante de nada e que crê que é normal ter dez por cento de sua população deslocada, que aqui se respeitam os direitos humanos.
2) Sendo o deslocamento interno um tema tão delicado, quais foram as maiores dificuldades que você encontrou ao fazer este filme?
O principal desafio foi como personalizar a magnitude da tragédia. Como cineasta me interessava o fenômeno do deslocamento desde o ponto de vista das vítimas, não dos números. Fizemos uma investigação mais enfocada nas feridas que nas matanças, e nas conseqüências do deslocamento nos indivíduos, sobretudo nas crianças. Ouvimos muitos testemunhos que eram realmente dilacerantes.
3) Você acha que o filme contribuiu para conscientizar mais as pessoas sobre a vida e os problemas que um deslocado enfrenta em seu próprio país?
Eu acho que o filme é um pequeno grão de areia que contribui para a humanização do conflito e, sobretudo, de suas vítimas.
Na Colômbia existe uma campanha muito sofisticada de propaganda negra para difamar as vítimas do deslocamento, geralmente fazendo com que pareçam suspeitas de cumplicidade com algum grupo armado. Isto tem feito com que o colombiano comum reaja com indiferença perante eles.
No entanto, quando assistem ao filme, a reação que mais vemos nos espectadores é a dor que lhes causa a história da protagonista e isto faz com que reflitam sobre o país em geral e sobre o fenômeno do deslocamento em particular. No exterior, o público se mostrou muito surpreso com a magnitude do problema. A maioria dos espectadores não tinha idéia do conflito gerado pela disputa por terra e do deslocamento na Colômbia, todos estavam esperando outro filme sobre o narcotráfico.
4) Quais histórias mais o afetaram/ impressionaram durante a filmagem?
Durante a etapa de redação do roteiro, tive a possibilidade de ouvir muitos testemunhos de deslocados não somente em Bogotá (Cazuca) e Soacha, mas também em zonas mais próximas ao conflito, como Montería e a zona do rio Sinu. Os testemunhos são terríveis não somente pela extrema crueldade que os assassinos impuseram sobre suas vítimas, mas sim pela indiferença tanto do Estado quanto da sociedade diante de seus problemas.
5) Você considera que a Colômbia tem um bom sistema para proteger os deslocados?
O deslocamento na Colômbia é um fenômeno contínuo. No ano passado houve cerca de 290 mil novos deslocados de acordo com o COHDES e esse número continua crescendo a cada dia.
O Estado colombiano criou programas que são, sobretudo, cosméticos e propagandísticos, mas com pouca incidência na situação global dos deslocados, como por exemplo a Comissão Nacional de Restauração, enquanto os deslocados e as pessoas das organizações não governamentais que os acompanham continuam sendo ameaçados e, em alguns casos, assassinados.
Entrevista com Indhira Serrano:
1) Quais valores sua personagem lhe transmitiu?
Você sempre quer que sua personagem seja perfeita e com valores, mas neste caso estava em uma posição determinada. A protagonista do filme quando era criança se desloca da zona rural para Bogotá e, completamente traumatizada, a única coisa de que se lembra é de sua professora – minha personagem – que era muito próxima de sua família. Depois de 15 anos, a jovem volta à sua zona de origem e se encontra com a professora. Esta lhe pede desculpas por não tê-la buscado depois da tragédia que acabou com sua família. Então, minha personagem me transmitiu valores de amizade, paz, inocência, mas também o medo que, às vezes, sobressai sobre estes valores e sobre o amor.
Além disso, o que pude constatar uma vez mais neste filme, é que está muito apagada a linha que diferencia uma pessoa boa de uma má. Uma pessoa muito jovial e divertida de repente se converte em um assassino e isso é assustador.
Às vezes não há forma de identificar bem os maus e isso gera um grande risco para as pessoas vulneráveis, como os deslocados. Você nunca sabe de onde virá a tragédia. Hoje tudo está bem e amanhã sua vida muda. Além disso, geralmente há uma desumanização da vida: matar deixa de ser uma loucura e faz parte da vida diária.
2) Você compartilhou experiências com deslocados internos para se preparar para esse papel? Quais recomendações lhe deram?
Fiz primeiro uma investigação, lendo muitas crônicas e histórias sobre deslocamento, inclusive sobre o impacto da guerrilha, dos paramilitares e do exército, sobretudo em zonas rurais. Além disso, há alguns anos colaboro com a fundação “Niños por un nuevo planeta” (Crianças por um novo planeta) que se encarrega de crianças que foram abusadas sexualmente e que vivem em zonas marginais da capital, assim como de crianças deslocadas de diferentes regiões do país. Essa experiência me aproximou de como essas crianças vêem a vida, que é completamente diferente de uma criança que cresceu em condições normais.
3) Para você, geralmente as pessoas sabem a diferença entre um deslocado interno e um refugiado?
Em minha opinião, na Colômbia as pessoas têm clara essa diferença. A própria palavra “deslocado” remete ao fenômeno do deslocamento interno e especialmente rural. Para mim, existe muita consciência sobre a diferença entre um refugiado e um migrante ilegal. Lembro-me de quando minha mãe saiu da Colômbia como migrante até a Venezuela buscando uma melhor qualidade de vida naquele tempo. Um refugiado aqui é visto, na maioria das vezes, como uma pessoa de estrato social médio ou alto que veio por motivos de perseguição.
4) Você tem mensagens para compartilhar com o público sobre o significado de ser um deslocado e suas necessidades?
O que um deslocado necessita é um lar, um lugar onde possa fixar suas raízes, principalmente. Claro que há condições básicas como alimentos, educação e sem estas não existe uma vida possível, mas creio que o que mais dói é a falta de raízes. Chegar a um lugar ao qual você não pertence é uma sensação horrível. Além disso, as pessoas contribuem para que você se sinta nesse estado, desde seus próprios vizinhos. Acho que no meu país as pessoas perderam um pouco do sentido coletivo. As pessoas se preocupam mais com sua segurança e não vêem o que acontece ao seu redor, e isso explica em parte os massacres, a guerra e o deslocamento.
Francesca Fontanini, Oficial Regional de Informação Pública - Américas