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Ministro da Justiça do Brasil propõe resposta integrada a refugiados nas Américas

Comunicados à imprensa

Ministro da Justiça do Brasil propõe resposta integrada a refugiados nas Américas

Ministro da Justiça do Brasil propõe resposta integrada a refugiados nas AméricasA reunião internacional de Brasília nesta quinta-feira deverá sensibilizar os países da região a estabelecer uma resposta integrada de proteção.
9 Novembro 2010

BRASÍLIA, Brasil, 9 de novembro (ACNUR) - A Reunião Internacional sobre Proteção de Refugiados, Apátridas e Movimentos Migratórios Mistos nas Américas, que ocorre em Brasília nesta quinta-feira, 11 de novembro, deverá sensibilizar os países da região a estabelecer uma resposta integrada de proteção e conscientizá-los sobre a necessidade de promover leis nacionais de refúgio. Esta é a opinião do Ministro da Justiça do Brasil, Luiz Paulo Teles Barreto, anfitrião do encontro.

Barreto, que será homenageado pelo ACNUR por seus serviços prestados à causa do refúgio, avalia que os comitês nacionais sobre refúgio “devem ser imunes a visões políticas que limitem o cumprimento das obrigações internacionais de proteger refugiados e solicitantes de refúgio”. Por isso, precisam contar com a participação da sociedade civil e da própria ONU. Além disso, afirma que as migrações vêem sendo “indevidamente vinculadas ao direito penal” e que os países, mesmo no seu direito de selecionar os migrantes que estão dispostos a receber, “não podem ignorar a obrigação jurídica internacional da proteção e a obediência ao princípio da não-devolução”.

Organizado pelo ACNUR e pelo Governo do Brasil, o encontro de Brasília reunirá vinte países das Américas e servirá também como lançamento oficial, na região, do 60º aniversário da agência da ONU para refugiados. Para o ministro da Justiça do Brasil, o trabalho do ACNUR “é magnífico” e “precisa ser valorizado por toda a comunidade internacional”.

Nesta entrevista, o ministro analisa os principais pontos que serão discutidos no encontro, como fluxos mistos, apatrídia e o Plano de Acao do México. “O PAM é um dos marcos mais importantes para a proteção aos refugiados nas Américas, pois traduz a responsabilidade compartilhada dos países da região em ajudar aqueles que são afetados pelo refúgio”, afirma. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Qual a importância deste encontro internacional?

Trata-se de um grande passo para uma resposta integrada de proteção internacional aos refugiados nas Américas. Nossa região viveu, e ainda vive, muitas situações de refúgio e precisa ter um sistema que permita socorrer os países afetados. Essa responsabilidade deve ser compartilhada, traduzindo o tema como um problema regional. As soluções também devem ser buscadas e implementadas a nível regional. É muito importante que nossa região desenvolva um sistema de cooperação que integre refugiados, apátridas e outros movimentos forçados de migrantes, como também a consolidação de instrumentos internacionais já existentes. O Brasil pretende, com esta reunião, colocar cada vez mais o tema do refúgio na agenda internacional e multilateral, refletindo sobre que medidas podem ser tomadas para que a região das Américas seja segura e outorgue uma efetiva proteção internacional à essas vítimas.

Que resultados o sr. espera deste encontro?

Espero que o encontro desperte a consciência dos países participantes para que promovam suas leis nacionais de refúgio, desenvolvendo seu próprio sistema de proteção internacional. A adesão à Convenção de 1951 já traduz uma obrigação internacional jurídica, mas é muito difícil, no dia a dia, conscientizar os operadores do direito sobre o conteúdo de uma convenção internacional. É mais fácil dar visibilidade ao tema por meio de uma lei interna, que regule e discipline a convenção e seus dispositivos. O Brasil fez isso recentemente, em 1997. E depois que internalizamos os dispositivos da Convenção de 1951, o avanço foi enorme. Conseguimos sensibilizar a sociedade civil, os governos estaduais e federal e o próprio Poder Judiciário. No Brasil, a lei de refúgio deu impulso à discussão jurídica deste tema e criou um quadro normativo que é cumprido no dia a dia, com obrigações e direitos dos refugiados.

Qual a importância do Plano de Ação do México (PAM) para as Américas?

O refúgio caracteriza-se por uma situação de emergência na qual a pessoa precisa cruzar uma fronteira, em situação de risco à vida, à liberdade e à integridade física. Numa situação destas, é comum que essa primeira proteção internacional não seja definitiva. A consolidação se dá com a as medidas previstas na Convenção de 1951: repatriação voluntária, integração local ou reassentamento.

Neste contexto, o PAM é um dos marcos mais importantes para a proteção aos refugiados nas Américas. Ele traduz a responsabilidade compartilhada entre os países da região de ajudar os países afetados. Também é um instrumento político admirável no que se refere ao comprometimento dos governos da região com essa responsabilidade e com a integração de estratégias governamentais para que todos, solidariamente, ajudem um país afetado por uma causa do refúgio.

Quais são os avanços e desafios do Brasil em relação ao PAM?

O Brasil foi um dos países que, com o ACNUR, participou da elaboração do PAM, e estamos, na prática, outorgando o reassentamento aos refugiados da região e também aos extra-regionais. Já trabalhamos com o reassentamento de colombianos que estavam no Equador, com os palestinos que estavam em um campo na Jordânia e com afegãos. Estamos sempre dispostos. A equipe do ACNUR que trabalha no Equador sabe que, numa situação de risco ou de dificuldade de integração local, um refugiado colombiano poderá vir ao Brasil. Inclusive temos o sistema fast track, pelo qual aprovamos em 48 horas o reassentamento de refugiados em situação de risco ou integração precária. Na prática, o Brasil está implementando o PAM.

Como responder, no Brasil e nas Américas, aos chamados fluxos migratórios mistos?

É preciso dispor de um sistema que permita a recepção dessas pessoas e faça a distinção entre casos de refúgio e de migração. E, nessa separação, estar muito atento ao princípio de não-devolução para impedir que, ainda que sob o manto migratório, o retorno dessa pessoa ao seu país de origem implique em risco à sua vida. Também se deve, dentro do possível, tratar este assunto no campo do direito humanitário e dos direitos humanos.

Nos últimos anos, em diversas partes do mundo, as migrações vêem sendo indevidamente vinculadas ao tema penal. Ainda que irregulares, as migrações não devem ser tratadas no campo do direito penal. No máximo, no campo do direito administrativo, para que a pessoa possa voltar ao seu país de origem em segurança. Vivemos em um mundo globalizado, onde cada vez mais bens de serviço circulam, e não é justo que as pessoas estejam alheias a este processo. Cada país tem direito de controlar os fluxos migratórios em suas fronteiras. Mas esse direito de promover uma seleção migratória não afasta a obrigação jurídica internacional de proteção, principalmente a obediência ao princípio da não-devolução, que está consagrado no direito internacional dos refugiados e no direito internacional humanitário como um princípio de proteção da pessoa humana.

Hoje, metade da população refugiada do mundo se encontra em cidade. Esta é uma tendência que veio para ficar?

É uma tendência, e os países têm que se preparar para esse tipo de refúgio. Nosso imaginário sempre visualiza o refugiado em um acampamento com tendas brancas – o que efetivamente acontece em uma situação de emergência. Mas, num segundo momento, este refugiado buscará melhores condições de vida nos centros urbanos. Neste momento, a principal característica dos refugiados que chegam ao Brasil é seu passado urbano e seu desejo de continuar a vida na cidade aonde chegam. É natural que esse refugiado encontre obstáculos normais no cotidiano das grandes cidades, obstáculos de integração social, laboral e cultural. O principal problema sempre será o do emprego, da auto-sustentação.

O refugiado não deve ser uma pessoa sustentada nem pelo Estado nem pela rede social. Deve receber uma primeira assistência para ter condições de reconstituir sua vida com dignidade e respeito. E essa reconstrução passa, efetivamente, pelo seu auto-sustento. Isso deve ser analisado de forma muito precisa nas áreas urbanas. No Brasil, a solução que se encontrou é trabalhar com a capacitação profissional, junto à rede de parceiros da sociedade civil. É importante também que, como no Brasil, as diferentes culturas convivam em paz, podendo vestir roupas diferentes, professar qualquer tipo de fé, falar qualquer idioma, e ter seus costumes mantidos.

O Brasil é signatário das convenções sobre apatrídia, mas ainda não implementou mecanismos para responder a esta situação. Como avançar neste tema?

Desde sua Constituição de 1934, o Brasil tem dispositivos sobre apatridia em sua legislação. A nacionalidade brasileira é reconhecida com base no jus sojis e no jus sanguinis. Ou seja, qualquer pessoa que nasça em território brasileiro, mesmo sendo filha de estrangeiros, é considerada brasileira. Também são nacionais brasileiros os filhos de brasileiros nascidos em qualquer outro lugar do mundo. O Brasil impede a perda de nacionalidade por simples renúncia do indivíduo, o que é um instrumento importantíssimo para que ninguém, em nenhum momento e por nenhuma razão, seja forçado a renunciar à sua nacionalidade, tornando-se um apátrida. Além disso, toda nossa rede consular é orientada para registrar os brasileiros que nascem no exterior. Todo o registro civil brasileiro também é orientado a registrar filhos de estrangeiros que nascem no país. Isso tem evitado casos de apatridia.

Mas é claro que ainda temos que avançar mais, inclusive na proteção de apátridas de outras partes do mundo. Nestes casos, a lei brasileira prevê um passaporte específico para os apátridas. Um estrangeiro apátrida pode se registrar no Brasil e terá os direitos civis de um nacional como qualquer outro estrangeiro no Brasil e, se precisar viajar ao exterior, terá um passaporte brasileiro. Isso faz com que nossa proteção internacional, ainda que além de nossas fronteiras, seja outorgada a um cidadão apátrida.

Defendemos que se outorgue a essas pessoas um sistema mais integrado, mais sistematizado de proteção internacional. Talvez esteja na hora de fazer uma nova convenção que renove as obrigações dos Estados nos casos de apatridia.

 

É importante que os comitês nacionais de elegibilidade sejam independentes?

É fundamental que cada país tenha seu órgão especializado em refúgio, que seja o mais independente possível e fique responsável pela condução de uma política interna sobre o refúgio. E não pode ser simplesmente um órgão de governo, que se contamine de uma visão política específica ou de uma má vontade administrativa que limite o cumprimento da obrigação internacional do país em proteger refugiados. A ONU recomenda fortemente um órgão independente, formado pelo governo e com a participação da sociedade civil e da própria ONU. O Brasil fez seu dever de casa, com a criação do Comitê Nacional para Refugiados (CONARE). A sociedade civil cobra, exige e também protege, por meio de mecanismos de assistência aos refugiados. A ONU, que participa com direito a voz e sem direito a voto, atua em igualdade de condições, com suas explicações técnicas, orientações jurídicas e sensibilização política. Este modelo brasileiro tripartite (governo, sociedade civil e Nações Unidas) é muito importante para garantir a independência do nosso órgão de elegibilidade. Também por recomendação da ONU, cabe recurso às decisões do CONARE brasileiro. No Brasil essa instância é o Ministro da Justiça. Esses recursos são bem vindos porque permitem ao indivíduo que teve seu pedido de refúgio rechaçado ter mais uma chance recursal para tentar fazer valer sua argumentação.

Muitas vezes, percebemos que um país deixa de outorgar proteção internacional aos refugiados por falta de ordem interna, de responsáveis pela condução da política, de falta de critérios de elegibilidade e transparência, fazendo com que se gere uma insegurança jurídica na definição de refúgio. No Brasil, o CONARE funciona há 12 anos, e já conta com uma jurisprudência. Isso é importante para o desenvolvimento jurídico da tese do refúgio. Os tribunais passam a seguir essa jurisprudência e se consolida um instituto jurídico do refúgio. Acho que é muito importante essa institucionalização, pois é saudável que, com o passar do tempo, essa concessão de refúgio se transforme de um ato político para um ato jurídico. Isso consolidará no país um sistema de proteção efetivo, e não mais por decisões que possam variar de acordo com a origem do refugiado ou o momento político que aquele país de acolhida vive.

Quais seriam as boas práticas da questão do refúgio no Brasil?

Com relação à proteção internacional, ter uma rede é mais importante. O Brasil constituiu e vem ampliando essa rede, que é resultado da integração entre o governo, as Nações Unidas e a sociedade civil. Em cada ponto do Brasil, ao estender esta rede, conseguimos um parceiro importante, que ajuda o refugiado naquele momento mais crucial de sua vida, que é a chegada ao país. Ajuda o refugiado no aprendizado da língua, na integração local, na habitação para morar assim que chega ao país, no primeiro trabalho de integração laboral.

Outra forma importante também é ter instrumentos jurídicos internos que outorguem direitos aos refugiados, pois não adianta receber o refugiado e deixá-lo à margem de um sistema de outorga dos direitos nacionais. O Brasil reconhece aos refugiados os mesmos direitos civis de um brasileiro, entre eles os de residência, trabalho e movimentação patrimonial, e também o acesso a serviços públicos de saúde e educação, a programas sociais, financiamentos habitacionais e créditos para abrir seu próprio negócio. Ao outorgar esses direitos, o país cumpre sua parte direta da proteção. Mas é importante que o dia a dia na comunidade na qual ele se insere seja conduzido em parceria com a sociedade civil. E isso acontece no Brasil.

Mas, na prática, este acesso aos direitos civis é dificultado por questões burocráticas relacionadas aos estrangeiros.

É preciso avançar na divulgação destes direitos. No Brasil, percebemos que a sensibilização é o melhor caminho. Alguns refugiados reclamam que são discriminados quando apresentam seus documentos. Os empregadores pensam: “essa pessoa é um baderneiro, um subversivo, cometeu algum crime”. E, ao contrário, essa pessoa é vítima de uma perseguição. A sensibilização da sociedade é o melhor caminho para que sejam cumpridos os direitos civis outorgados pela lei brasileira.

Essa sensibilização se dá com a divulgação do Dia Mundial do Refugiado, mantendo o assunto na mídia, levando a discussão para as universidades e mostrando à sociedade que os refugiados são pessoas protegidas pelo Brasil que reconstroem suas vidas aqui e ajudam o país a se consolidar como um país multicultural, multiétnico e pacífico. O ACNUR promove o tema do refúgio na imprensa, realiza seminários e divulga a questão de maneira correta, o que ajuda a mudar essa cultura de discriminação que pode levar a restrições de direitos garantidos por lei. Tenho a convicção de que essas dificuldades, na maioria das vezes, se dão mais pela ignorância quanto aos direitos que os refugiados têm do que por qualquer restrição administrativa ou jurídica.

Como o sr. avalia o trabalho do ACNUR no Brasil?

De maneira excepcional. Em momentos de crise, como por exemplo, durante a chegada dos refugiados angolanos, em 1991 e 1992, o ACNUR ajudou o Brasil a receber aquelas pessoas. Mas existe um trabalho do ACNUR ainda mais importante, desenvolvido nos momentos de calma e de paz, quando não havia um grande fluxo de refugiados e muita gente até questionava sobre a presença do ACNUR no país. Nestes momentos, os maiores avanços foram conquistados.

Em momentos de calma, o ACNUR se estabeleceu no Brasil e conseguiu sensibilizar o governo para o tema do refúgio. Em 1985 e 1986, o Brasil ainda tinha reserva geográfica e só recebia refugiados europeus. Foi o ACNUR que convenceu o país a levantar esta barreira e receber 50 famílias de refugiados ba-hais iranianos. Depois, o ACNUR sensibilizou o Ministério da Justiça a discutir o tema do refúgio e conversar com a sociedade civil, conscientizando o Brasil sobre a necessidade de uma lei interna, aprovada em 1997. Posteriormente, ACNUR propôs ao Brasil levar o tema para o Mercosul. Sem a orientação técnico-jurídica do ACNUR e sua sensibilização política, tenho dúvidas se conseguiríamos chegar ao estágio atual. Foi um trabalho preventivo importante que deixou o país estruturado para receber refugiados, com um mecanismo de proteção automaticamente implementado, com o qual as crises serão enfrentadas com a simples execução de funções já determinadas, previstas legalmente.

Cada passo dessa construção foi dado com o ACNUR. Hoje, somos um país mais maduro em relação ao refúgio, mais preparado para receber refugiados, mais integrado no sistema internacional de proteção. Esse trabalho do ACNUR no Brasil foi importante, e oxalá possa acontecer em outros países também.

É um trabalho magnífico. O ACNUR é uma das agências mais importantes da ONU, que precisa ser valorizada, receber investimento de todos os países e ter o apoio de toda a comunidade internacional. Em qualquer guerra, em qualquer conflito político, em qualquer situação de ruptura dos direitos humanos, o ACNUR estará lá junto com os países para proteger a humanidade desses conflitos.

Luiz Fernando Godinho, de Brasília, Brasil