“Refugiados” e “Migrantes”: Perguntas Frequentes
“Refugiados” e “Migrantes”: Perguntas Frequentes
1. Os termos “refugiado” e “migrante” são substituíveis entre si?
Não. Apesar de ser cada vez mais comum os termos “refugiado” e “migrante” serem utilizados como sinônimos na mídia e em discussões públicas, há uma diferença legal crucial entre os dois.
Confundi-los pode levar a sérias consequências para a vida e a segurança de pessoas refugiadas e solicitantes de refúgio, assim como gerar entendimentos parciais em discussões sobre refúgio e migração. As definições guardam diferenças fundamentais entre si, pois cada uma corresponde a uma série de direitos e deveres próprios.
2. Qual a especificidade sobre a terminologia “refugiado”?
Refugiados são pessoas que estão seu país de origem devido a fundados temores de perseguição relacionados a questões de raça, religião, nacionalidade, opinião política, ou pertencimento a um determinado grupo social e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual em consequência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele. Ou ainda, pessoas que estão fora de seu país de origem devido a conflitos, violência ou outras circunstâncias que perturbam seriamente a ordem pública e que, como resultado, necessitam de “proteção internacional”.
As situações enfrentadas são frequentemente tão perigosas e intoleráveis que estas pessoas decidem cruzar as fronteiras nacionais para buscar segurança em outros países, sendo internacionalmente reconhecidos como “refugiados” e passando a ter acesso à assistência dos países, do ACNUR e de outras organizações relevantes.
Pessoas refugiadas não podem retornar aos seus países de origem porque sua vida estaria em risco e por não receberem a proteção necessária de seus países. Se um Estado nega a proteção a pessoas em situação de refúgio consequências graves relacionadas à vida, integridade e liberdade podem ser geradas.
3. De que forma refugiados são protegidos pelo direito internacional?
A proteção internacional dos refugiados é garantida a partir atos normativos específicos, entre eles cabe mencionar o Art. 14 da Declaração Universal dos Direitos Humanos que afirma o direito de toda e qualquer pessoas de buscar e receber asilo. Assim como a Declaração Americana de Direitos Humanos, de 1948, em seu artigo 27 e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1969, em seu artigo 22(7), também fazendo alusão ao direito de buscar e de receber asilo em caso de perseguição.
A Convenção de 1951 Relativa ao Estatuto dos Refugiados estabelece a estrutura mais amplamente aplicável para a proteção de refugiados. A Convenção de 1951 foi adotada em julho de 1951 e entrou em vigor em abril de 1954. O Protocolo de 1967 remove as restrições temporal e geográfica estabelecida pela Convenção de 1951. Estes são dois dos principais instrumentos internacionais de direitos humanos para a garantia dos direitos fundamentais para os refugiados e solicitantes de refúgio, e o ACNUR foi incumbido de supervisar sua implementação.
Existem também instrumentos regionais, como a Convenção de 1969 da Organização de Unidade Africana (UOA) que rege os aspectos específicos dos problemas dos refugiados na África, e a Declaração de Cartagena, de 1984, que teve seu espírito incorporado na maioria das legislações nacionais sobre refúgio dos países nas Américas.
A disposição mais importante da Convenção de 1951, o princípio de non-refoulement (que significa não devolução), contido no Artigo 33, é a pedra angular da proteção internacional dos refugiados. De acordo com este princípio, refugiados não podem ser expulsos ou devolvidos a situações onde suas vidas ou liberdade possam estar sob ameaça.
A proteção dos refugiados tem muitos aspectos. Isso inclui a segurança de retornar ao perigo, o acesso a procedimentos de asilo justos e eficientes e medidas para garantir que seus direitos humanos básicos sejam respeitados enquanto garantem uma solução a longo prazo.
Os Estados são os primeiros responsáveis por assegurar essa proteção. O ACNUR trabalha estreitamente com governos, aconselhando-os e os apoiando conforme suas necessidades a fim de implementar suas responsabilidades.
4. A Convenção de 1951 precisa ser revisada?
A Convenção de 1951 e seu Protocolo de 1967 salvaram milhões de vidas e, como tais, são dois dos instrumentos fundamentais de direitos humanos nos quais nos baseamos hoje. A Convenção de 1951 é um marco da humanidade, desenvolvida na sequência de movimentos maciços de populações que superou até mesmo a magnitude do que vemos agora. Em seu cerne, a Convenção de 1951 incorpora valores humanitários fundamentais. Ela demonstrou claramente a sua capacidade de adaptação à evolução das circunstâncias factuais, sendo reconhecida pelas cortes como um instrumento vivo capaz de proporcionar proteção aos refugiados em um ambiente em constante mudança.
O maior desafio à proteção de refugiados certamente não reside na Convenção de 1951 em si, mas em garantir que os Estados venham a cumpri-la. A verdadeira necessidade é a de encontrar maneiras mais eficazes de implementá-la em um espírito de cooperação internacional e responsabilidade compartilhada.
5. A palavra “migrante” pode ser utilizada como um termo genérico para também abranger refugiados?
“Migração” é comumente compreendida implicando um processo voluntário; por exemplo, alguém que cruza uma fronteira em busca de melhores oportunidades econômicas. Este não é o caso de refugiados, que não podem retornar às suas casas em segurança e, consequentemente, têm direito a proteções específicas no escopo do direito internacional. No Brasil, a Lei nº 13.445/2017 dispões sobre direitos e deveres do migrante em território nacional. No entanto, não existe uma definição legal internacional aceita do termo migrante, sendo assim esse grupo tem direito à proteção geral dos direitos humanos, sem importar o status migratório.
Como visto na Pergunta 3 acima, refugiados contam com proteção internacional da Convenção de 1951, do Protocolo de 1967 e da Declaração de Cartagena. Ainda, no Brasil, a implementação da proteção de pessoas refugiadas é definida pela Lei nº 9.474/97. Ou seja, pessoas refugiadas têm direito à proteção internacional específica definida pelo direito internacional dos refugiados, além de proteção geral dos direitos humanos.
Nos termos do Pacto Global para Migração, “migrantes e refugiados são grupos distintos, regidos por estruturas legais separadas. Apenas refugiados têm direito à proteção internacional específica, conforme definido pelo direito internacional dos refugiados”[1]. Ao contrário dos refugiados, migrantes podem optar por voltar para casa e continuarão recebendo a proteção de seu governo.
É importante que as pessoas diferenciem “refugiados” e “migrantes”, para manter a clareza sobre as causas e o caráter dos movimentos, bem como destacar as obrigações devidas às pessoas refugiadas. Tratar as duas definições como sinônimos, retira o foco de proteções legais e das necessidades específicas vivenciadas por pessoas refugiadas, como proteção contra a devolução e contra ser penalizado por cruzar fronteiras para buscar segurança sem autorização. Não há nada ilegal em procurar refúgio – pelo contrário, é um direito humano universal.
Nós precisamos tratar todos os seres humanos com respeito e dignidade. Nós precisamos garantir que os direitos humanos dos migrantes sejam respeitados. Ao mesmo tempo, nós também precisamos fornecer uma resposta legal e operacional apropriada aos refugiados, por conta de sua situação difícil e para evitar que se diluam as responsabilidades estatais direcionadas a eles. Por essa razão, o ACNUR sempre se refere a “refugiados” e “migrantes” separadamente, para manter clareza acerca das causas e características dos movimentos de refúgio e para não perder de vista as obrigações específicas voltadas aos refugiados nos termos do direito internacional.
6. Todos os migrantes sempre “escolhem” migrar?
Os fatores que levam indivíduos a migrar podem ser complexos. Muitas vezes as causas são multifacetadas. Migrantes podem deslocar-se para melhorarem suas condições de vida por meio de melhores empregos ou, em alguns casos, por educação, reuniões familiares, ou outras razões. Eles também podem migrar para aliviar dificuldades significativas ocasionadas por desastres naturais. Pessoas que deixam seus países por esses motivos normalmente não são consideradas refugiadas, de acordo com o direito internacional.
7. Os migrantes não merecem proteção também?
As razões pelas quais um migrante pode deixar seu país são muitas vezes convincentes, e encontrar meios de atender suas necessidades e proteger seus direitos humanos é importante. A proteção a migrantes deriva de sua dignidade fundamental enquanto seres humanos[2]
Ainda, alguns migrantes, como vítimas de tráfico ou menores separados ou desacompanhados, podem ter necessidades particulares de proteção e assistência, e têm o direito de ter essas necessidades atendidas. O ACNUR apoia plenamente abordagens para a gestão de migrações que respeitem os direitos humanos de todas as pessoas em deslocamento.
8. Refugiados são “migrantes forçados”?
O termo “migração forçada” é por vezes utilizado por sociólogos e outros indivíduos como um termo generalista e aberto que cobre diversos tipos de deslocamentos ou movimentos involuntários – tanto os que cruzam fronteiras internacionais quanto os que se deslocam dentro do mesmo país. Por exemplo, o termo tem sido utilizado para se referir às pessoas que têm sido deslocadas em decorrência de desastres ambientais, conflitos, fome, ou projetos de desenvolvimento em larga escala.
“Migração forçada” não é um conceito legal, e similar ao conceito de “migração”, não existe uma definição universalmente aceita. Ele abarca uma ampla gama de fenômenos. Refugiados, por outro lado, são claramente definidos pelo direito internacional e regional dos refugiados, e os Estados concordaram com um específico e bem definido conjunto de obrigações legais em relação a eles. Referir-se a refugiados como “migrantes forçados” tira atenção das necessidades específicas dos refugiados e das obrigações legais que a comunidade internacional concordou em direcionar a eles. Para evitar confusão, o ACNUR evita o uso do termo “migração forçada” ao se referir aos movimentos de refugiados e outras formas de deslocamento.
9. Qual é a melhor forma de se referir a grupos mistos em deslocamento que incluam tanto refugiados quanto migrantes?
A prática adotada pelo ACNUR é se referir a grupos de pessoas viajando em movimentos mistos como “refugiados e migrantes”. Essa é a melhor forma de permitir a compreensão de que todas as pessoas em deslocamento possuem direitos humanos que devem ser respeitados, protegidos e satisfeitos; e que refugiados e solicitantes de refúgio possuem necessidades específicas e direitos que são protegidos por uma estrutura legal específica.
Por vezes, em discussões políticas, o termo “migrações mistas” e termos correlatos como “fluxos mistos” ou “movimentos mistos” podem ser formas úteis de se referir ao fenômeno de refugiados e migrantes (incluindo vítimas de tráfico ou outros migrantes vulneráveis) viajando lado a lado pelas mesmas rotas, utilizando os mesmos facilitadores.
Por outro lado, o termo “migrante misto”, que é por vezes usado como uma síntese para se referir a uma pessoa em um fluxo migratório misto e cujo status individual é desconhecido ou que pode ter múltiplas e justapostas razões para se mudar é incerto. Isso pode causar confusão e mascarar as necessidades específicas de refugiados e migrantes no movimento. O termo não é recomendado.
10. E quanto aos refugiados que deixam o país em que se refugiaram e entram em outro? Eles não são melhores descritos como “migrantes” por conta de realizarem viagens subsequentes a partir do primeiro país de acolhida?
Um refugiado não deixa de ser refugiado ou torna-se “migrante” simplesmente por deixar um país de refúgio para viajar a outro país. Um indivíduo é refugiado por conta da falta de proteção em seu país de origem. Mudar-se para um novo país de refúgio não muda essa situação. Portanto, o status de refugiado do indivíduo não é afetado. Uma pessoa que satisfaz os critérios para o status de refugiado permanece sendo refugiada, independentemente da rota realizada na busca de proteção ou das oportunidades para reconstruir sua vida e mesmo das várias etapas envolvidas nessa jornada.
ACNUR
[1] A Convenção de 1990 sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias define o termo “trabalhador migrante”. Ver também o Artigo 11 da Convenção da OIT de 1975 sobre Migrações em Condições Abusivas e Proteção da Igualdade de Oportunidades e de Tratamento dos Trabalhadores Migrantes (nº 143) e da Convenção da OIT de 1979 sobre Trabalhadores Migrantes (nº 97); assim como o Artigo 1 da Convenção Europeia de 1977 relativa ao Estatuto Jurídico do Trabalhador Migrante.
[2] Por exemplo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos; o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos; e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; assim como outros tratados internacionais e regionais importantes, reconhecem que todas as pessoas, incluindo migrantes e refugiados, possuem direitos humanos.