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Um recomeço para os refugiados Sírios no Brasil

Comunicados à imprensa

Um recomeço para os refugiados Sírios no Brasil

Um recomeço para os refugiados Sírios no BrasilDesde 2013, o Brasil tem emitido vistos especiais para permitir que sobreviventes de guerra possam solicitar refúgio assim que chegarem.
28 Março 2016

SÃO PAULO, Brasil, 24 de março de 2016 (ACNUR) - Hanan Dacka, 12 anos de idade, escuta com atenção enquanto sua professora, na escola pública Duque de Caxias em São Paulo, designa atividades em grupo sobre o mosquito Aedes aegypti e seu papel na transmissão do Zika vírus.

Momentos depois, Hanan se aproxima de Maria Luiza e Andressa, duas novas amizades que ela fez desde que começaram suas aulas no 5º ano B, há apenas dois dias. Elas então começam a fazer a atividade de classe proposta e, entre conversas e risadas, preenchem a tarefa.

“Eu amo estar no Brasil”, disse Hanan, disse com um grande sorriso a refugiada síria. “Eu estou muito feliz por estar aqui. Eu tenho meus amigos aqui e minha professora é a melhor”.

Após quatro anos de guerra, Hanan, seu pai Khaled, sua mãe Yusra, seu irmão Mostafá e a pequena irmã Yara vieram para esta grande cidade há pouco mais de um ano, sob programa de visto humanitário do Brasil, que oferece àqueles que fogem do conflito na Síria a possibilidade de um recomeço.

Desde 2013, consulados e embaixadas brasileiras no Oriente Médio têm emitido vistos especiais em processos simplificados para permitir que sobreviventes de guerra possam viajar para o maior país da América Latina e solicitar refúgio assim que chegarem.

Apesar da distância geográfica, o governo brasileiro estendeu recentemente sua política de “portas abertas” por mais dois anos, para dar a mais pessoas a chance de reconstruir suas vidas após fugirem da guerra que já matou pelo menos 250.000 pessoas e levou mais de 5 milhões ao exílio.

Originalmente de Idlib, no nordeste da Síria, o pai de Hanan, Khaled, 40 anos, foi o primeiro membro da família a chegar ao Brasil, onde todos já tiveram suas solicitações de refúgio concedidas. Sentado em um dos dois sofás marrons em sua sala de estar no centro de São Paulo, ele hesitantemente descreve como a família se refugiou para salvar suas vidas.

Quando a Primavera Árabe chegou à Síria, em 2011, Khaled estava trabalhando em uma casa de câmbio em Idlib. Com a chegada dos protestos, inicialmente pacíficos e que se transformaram em conflito, a cidade histórica rapidamente tornou-se uma linha de frente sangrenta na guerra que já completou seu quinto ano. O controle da cidade sofria com esta amarga luta, passando das forças do governo aos diferentes grupos rebeldes e retornando ao governo.

Após ajudar seus amigos e vizinhos a escapar da violência, Khaled foi preso e acusado de traficar pessoas pelas autoridades sírias – passou 11 meses na prisão, onde ele alega ter sido torturado. Eventualmente, quando foi libertado, recebeu ameaças tanto das autoridades como dos grupos rebeldes, ameaçando-o de morte. Agora ele tinha que ser rápido.

Com a ajuda de um amigo de infância que servia obrigatoriamente ao exército sírio, ele fez as malas e partiu junto com sua família para a Jordânia – Yusra, sua esposa, que agora tem 35 anos, e seus filhos Mostafá, 16 anos, e Hanan – em um carro que se seguiria outro, transportando os dois homens.

“Se eles fossem me matar, eu não queria que a minha família me visse morrer”, disse Khaled, enquanto coçava sua barba grisalha.

Quando chegaram à Jordânia, após uma grande viagem com 16 paradas em locais de controle militar, a família Dacka se hospedou no campo de refugiados de Zaatari. Segundo Yusra, os dois anos e meio que passaram por lá foram desafiadores. O acesso a água exigia uma longa caminhada e as condições eram difíceis – ao mesmo tempo fazia muito calor durante o dia e um frio congelante durante a noite.

Kamal, o irmão mais novo de Khaled, já havia buscado refúgio no Brasil, onde ele reside já antes da chegada do irmão. Kamal foi quem tomou as devidas providências para que a família de Khaled recebesse os vistos por meio da embaixada brasileira na capital da Jordânia, Amman.

De acordo com o Secretário Nacional de Justiça e presidente do Comitê Nacional para Refugiados no Brasil (CONARE), Beto Vasconcelos, este sistema de vistos especiais era necessário devido as “graves violações de direitos humanos” decorrentes da Síria. Ele disse que este sistema “responde a lógica da proteção por razões humanitárias e considera as dificuldades específicas das zonas de conflito”. 

Khaled Dacka caminha com seus filhos, Hanan, 12 anos, Yara, 1 ano, e Moustafa, 16 anos, na tarde de um domingo a caminho de um shopping center, em São Paulo.
No ano passado, Khaled foi o primeiro a viajar para tomar as devidas providências para a chegada de sua família, enquanto Yusra – naquele momento grávida de Yara – e as crianças viajaram cerca de quatro meses depois. Quando a família chegou a São Paulo, foi a primeira vez que Khaled viu sua filha mais nova, Yara, que nasceu no campo de Zaatari e agora tem 16 meses de idade.

Khaled, Yusra e seus filhos vivem em um apartamento de um quarto com o irmão mais novo de Yusra, Zaher, sua mulher Nasreen e seus quatro filhos. A família de Khaled já possui status de refugiado, enquanto a recém-chegada família de Zaher acabou de iniciar o processo de solicitação de refúgio.

Os 11 membros da família estão entre os cerca de 2.100 refugiados sírios que vivem atualmente no Brasil. A maioria está morando em São Paulo, a maior cidade do país, com uma população de 11,2 milhões de pessoas. Na cidade já existe uma comunidade síria significativa, mesmo antes do início do conflito.

Como o seu antigo emprego na casa de câmbio ficou para trás, Khaled agora trabalha em uma fábrica que produz equipamentos de proteção. Ele foi recentemente promovido a supervisor e opera um forno que produz escudos de acrílico que usados pela polícia. Ele diz que está se adaptando bem depois de seu martírio.

“Eu estou feliz de estar trabalhando de novo”, disse ele sorrindo. “Os fornos são quentes, mas nós usamos equipamento de proteção. Não é tão ruim”.

Seu filho Mostafá, de 16 anos, trabalha sete dias por semana em uma loja de acessórios de telefone celular no centro de São Paulo. Ele diz que não se importa de não ter um dia de folga, porque é melhor que seu trabalho anterior, em uma pizzaria. 

Moustafa (esquerdo), 16 anos, trabalha ao lado de seu chefe libanês, Hassan Salameh, 21 anos, em uma loja de acessórios do telefone no centro de São Paulo.
Hanan se adaptou bem em sua nova sala de aula, depois de enfrentar dificuldades na primeira turma que frequentou porque ela ainda não tinha aprendido o português. Ela reclamou de ter sido tratada de forma inferior tanto por sua professora quanto por seus colegas de classe.

Há apenas quatro dias em sua nova sala, ela já tem um grupo de amigas ao qual está perfeitamente integrada, falando português sem parar na área de atividades físicas da escola. Sua professora, Regina Coeli do Couto, apoiou sua integração.

“As crianças nesta sala de aula não isolam ninguém que é recém-chegado” disse Coeli de Couto, professora há 35 anos. “Qualquer um que chegar à esta sala de aula será aceito. Eles não a veem como diferente”.

São Paulo apresenta uma série de desafios, desde tráfegos gigantescos na hora do rush a altos níveis urbanos de criminalidade. O Brasil também é mais liberal que a Síria, embora a família Dacka diz não ter havido dificuldades para se integrar. Enquanto Yusra veste um hijab, Khaled diz que é a escolha de Hannah se ela quer usar ou não. Ela diz que não tem certeza ainda se usará, mas que poderia.

Toda a família diz que ama o Brasil e que planeja ficar aqui, uma vez que eles não conseguem enxergar um fim para a guerra síria, que este mês entrará em seu angustiante sexto ano.

“Você volta a ser um ser humano quando chegas ao Brasil” disse Khaled. “Eu nunca me senti tão bem”.

Enquanto a família de 11 membros senta na sala do apartamento que moram em São Paulo para comer uma tradicional mistura de arroz kabsa com salada para o jantar da sexta-feira, Hanan começa a cantar em árabe. Ela está feliz por fazer parte de um coral de crianças refugiadas em uma ONG local, parceira do ACNUR.

“Fala de quando você mata alguém você deve lembrar que ele é seu irmão”, ela conta sobre a letra da música. “É uma canção triste porque a Síria está triste”.

Após o jantar, em um único banheiro pequeno que ela divide com os demais 10 membros da família, Hanan passa um delineador em seus olhos, o mesmo que ela trouxe da Jordânia. Ela disse que no futuro quer ser uma cabelereira ou maquiadora profissional, ou talvez médica.

Hanan frequentemente ajuda a cuidar de Yara. Ela diz que sua irmã é o seu coração e que não pode esperar para ver sua próxima irmã mais nova que nascerá em maio. Yusra também está feliz pela chegada de sua quarta filha, apesar de não poder sair da casa por ter uma gravidez difícil. O nome do bebê será Sara.

Um programa que salvou a vida da família Dacka e outras milhares, promovendo caminhos para admissão de um número significativos de refugiados sírios. O ACNUR, a Agência das Nações Unidas para Refugiados, acolhe com prazer esta inciativa, e realizará uma reunião de alto nível no dia 30 de março sobre o tema, em Genebra.

O representante do ACNUR no Brasil, Agni Castro-Pita, sabe da importância de programas como este. Ele participou recentemente de reuniões com diplomatas canadenses que reassentaram mais de 26.000 refugiados sírios em condições similares, justamente para aprender mais sobre o programa de patrocínio do setor privado e como eles podem trazer mais fundos para ajudar aos refugiados, salientando a importância de todos os envolvidos trabalharem juntos.

“Quando uma instituição fornece fundos, não é apenas sobre o financiamento”, diz Castro-Pita. “Colocar os refugiados na agenda – esta é a questão mais importante”.