Jovem refugiado indígena Warao participa de teste no Flamengo no Rio de Janeiro
Jovem refugiado indígena Warao participa de teste no Flamengo no Rio de Janeiro
“Eu quero ser jogador de futebol!” O jovem indígena Greyver Moraleda não tinha completado 10 anos de idade quando dividiu com a família este sonho pela primeira vez. “Eu fiquei olhando para ele, olhando para nossa situação e pensando em como isso seria difícil”, relembra a mãe, Josefina Moraleda, que pertence ao povo Warao.
Vivendo no Brasil há seis anos, Josefina e a família vieram da Venezuela para buscar melhores condições de vida. Desde que chegaram, viveram na rua, passaram por abrigos, enfrentaram discriminação e fome. Mas o que parecia uma realidade distante começou a se tornar mais palpável este ano. Foi quando Greyver e Josefina pegaram um avião pela primeira vez para que o pequeno garoto Warao — agora com 13 anos — fizesse um teste no clube do Flamengo, no Rio de Janeiro.
“É uma conquista e uma chance muito especial participar dessa seleção”, diz o menino, que foi selecionado após um olheiro do Flamengo tê-lo visto em campo durante um campeonato de escolinhas em Belém. A viagem para o Rio de Janeiro foi concretizada com o apoio do ACNUR, que garantiu alimentação e hospedagem para mãe e filho, e da Azul Linhas Aéreas, que doou as passagens.
“Como mãe, estou muito agradecida, de coração, à equipe do ACNUR Brasil. São poucos os indígenas que têm essa oportunidade.”
Josefina Moraleda, mãe de Greyver
Os Warao no Brasil
Hoje, Josefina e Greyver vivem na cidade de Ananindeua, na região metropolitana de Belém (PA). E não são os únicos. Atualmente, há cerca de 11.500 indígenas refugiados vivendo no Brasil. Deste total, os Warao são maioria — há pelo menos 7.500 deles espalhados por vários estados do país. Esse número deu um salto a partir de 2016, quando os deslocamentos da Venezuela para o Brasil se intensificaram.
No caso dos Warao, a chegada em território brasileiro quase sempre se dá pelo Norte do país, via estado de Roraima. E de lá, muitas famílias seguem viagem para outros estados, onde existe uma rede de apoio de familiares ou amigos. Hoje, aproximadamente 1.200 indígenas da etnia vivem no Pará, e cerca de 850 estão concentrados na capital Belém e em municípios vizinhos, como Ananindeua.
Com escritório na capital paraense, o ACNUR tem um trabalho contínuo de apoio a indígenas refugiados. Após implementar uma Escola de Lideranças Indígenas em 2021, cujos módulos abordaram temas relacionados a direitos e acesso a políticas públicas, a Agência da ONU para Refugiados segue promovendo o fortalecimento comunitário por meio de uma parceria com o Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB). Um dos frutos deste trabalho foi a criação mais recente do Conselho Warao Ojiduna, uma organização liderada por indígenas e da qual Josefina faz parte.
Exemplo em campo e em casa
Foi a partir dessas articulações com o ACNUR que Josefina solicitou apoio para que o filho conseguisse ir ao Rio participar do teste no Flamengo. O jovem faz parte de uma escola de futebol que o clube mantém em Ananindeua. E, segundo os treinadores, além do talento em campo, o menino também bate um bolão nos estudos e em casa.
“O Greyver é um rapaz muito educado, receptivo, que sabe escutar. É estudioso, respeitador e nunca deu problema algum com os professores”, diz o CEO das escolas do Flamengo em Belém e Ananindeua, Luiz Hass.
Foi com esse repertório que Greyver desembarcou no Rio de Janeiro durante o mês de junho, para uma semana de testes no clube carioca. Após cinco dias demonstrando habilidades com a bola, infelizmente ele não foi selecionado. Mas, segundo os treinadores, esse foi apenas o primeiro de outros testes de que provavelmente o jovem participará. “Os jogadores que hoje são famosos passaram por muitos testes antes de serem aprovados em algum time. Isso é super comum. O Cafu, por exemplo, chegou a fazer 14 testes e se tornou, mais tarde, campeão mundial”, diz Luiz.
Ao receber o resultado negativo, Greyver teve apenas alguns minutos de tristeza. Logo, a frustração deu lugar à alegria. Em sua passagem pelo Rio de Janeiro, afinal, o jovem indígena conheceu o mar, visitou as dependências do clube do Flamengo — seu time do coração — e ainda fez uma visita especial ao estádio do Maracanã.
O adolescente ganhou do Flamengo ingressos para o "Match Day", uma visita exclusiva ao estádio, em que ele pôde entrar no vestiário do time, conhecer o auditório das coletivas de imprensa e acompanhar de perto a entrada dos jogadores do Flamengo para o jogo.
Minutos antes de assistir ao Flamengo jogando e vencendo o Grêmio por 2 a 0 numa partida do Campeonato Brasileiro, Greyver adentrava o campo do estádio com os olhos cheios de lágrimas, para conhecer e tocar com as próprias mãos um dos gramados mais famosos do Brasil.
“Acho que eu dei sorte para o Flamengo”, disse ele após o jogo, abrindo um grande sorriso. E se ele pensa em desistir? “Não mesmo!”, avisa, sem hesitar. “Vou continuar correndo atrás do meu sonho.”