Em Roraima, refugiadas e migrantes apresentam demandas de políticas públicas a governos
Em Roraima, refugiadas e migrantes apresentam demandas de políticas públicas a governos
Mulheres refugiadas e migrantes que vivem em Roraima deram um importante passo pela garantia de seus direitos no Brasil.
Um grupo de cerca de 70 mulheres apresentou a representantes de governos municipais, estadual e federal um documento com as principais demandas e propostas de políticas públicas para melhorar o acesso a direitos fundamentais, como saúde, trabalho decente e educação.
A entrega foi um dos resultados do II Encontro de Mulheres Refugiadas e Migrantes do Norte, realizado nos dias 14, 21 e 22 de março em Boa Vista (RR) dentro das atividades do Moverse, programa conduzido conjuntamente pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), ONU Mulheres e Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), com o financiamento do Governo de Luxemburgo. Além da escuta das demandas das mulheres, a iniciativa teve como objetivo contribuir para a organização e o fortalecimento de coletivos de refugiadas e migrantes, inclusive as indígenas, para que elas conheçam e façam uso dos instrumentos disponíveis para a participação política no Brasil.
Conhecimento e demandas
Os dois primeiros dias de atividade foram focados no compartilhamento de informações sobre os serviços públicos e instrumentos de incidência política, além do levantamento das demandas mais urgentes dessas populações para ter acesso a direitos garantidos no Brasil. Partindo desta base, foram criados grupos de trabalho relacionados a: Documentação, Acesso a Direitos, Empoderamento Econômico (Trabalho e Renda), Violência Baseada em Gênero, e LGBTfobia.
Em cada grupo, as mulheres avaliaram os avanços e compromissos assumidos no primeiro encontro, realizado em 2021, e realizaram mapeamento de demandas que persistiram ou surgiram neste intervalo, indicando propostas de políticas públicas para endereçar essas lacunas.
“Eu tive a honra de estar no primeiro encontro e as nossas inquietudes foram acolhidas. Houve avanços e eu fico feliz”, ressaltou Vanessa, que participou do grupo de trabalho sobre documentação. “Uma das nossas propostas é que seja feito um censo das pessoas refugiadas e migrantes, para sabermos as profissões de cada um, para sabermos com quem a gente conta. Precisamos criar uma política pública para o reconhecimento e validação dos diplomas”, completou.
Outro desafio apontado pela maioria dos grupos foi com relação ao transporte e deslocamento para a capital e áreas centrais de Boa Vista, onde a maior parte das oportunidades de capacitação estão concentradas. “Tem tudo no centro da cidade, mas quem mora longe não tem condições financeiras de pagar pela passagem para ter acesso à universidade, a cursos no Senai ou Senac, às vezes sequer ao próprio PTRIG, para fazer sua documentação”, ressaltou Mayra, que integrou o grupo de empoderamento econômico. “Eu estou há cinco anos no Brasil e não tenho um rádio, uma televisão. Me informar por esses meios é difícil. Um local onde pudéssemos ser atendidos e obter todas as informações de que precisamos, nos ajudaria muito”, completou.
Compromissos assumidos
A presença de representantes do poder público, em diferentes esferas, ofereceu a oportunidade de integração e de compromissos assumidos ainda durante o encontro. Um documento com compilado das demandas foi entregue a representantes do poder público presentes no evento, assim como à coordenação de Ciências Humanas da Universidade Federal de Roraima (UFRR), que disponibilizou o espaço para a realização do evento. O compilado de demandas também foi enviado ao Ministério da Justiça por meio do aparelho de consulta pública criado para receber contribuições para a Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia.
Desafio presente no cotidiano da população refugiada e migrante, o acesso a informações e atendimentos na língua nativa (espanhol ou de etnias indígenas) foi uma demanda urgente indicada no encontro. “Nós queremos o direito ao intérprete, ao tradutor, para quando precisarmos acessar determinados serviços públicos, como os de saúde e documentação. Além disso, por que em Boa Vista não podemos ter, por exemplo, uma lei para sinalização bilíngue em locais públicos?”, questionou Joany, que integrou o grupo de trabalho relacionado à documentação.
A partir dessa identificação, a representante do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Barbara Pereira dos Cravos, ressaltou que existe, a nível federal, a possibilidade de destinar recursos aos municípios para oferecer intérpretes nos postos de atendimento a cidadãos, como em postos de saúde, por exemplo – basta que os municípios solicitem. Baseadas nessa informação, as mulheres refugiadas e migrantes também se comprometeram a se organizar para acionar representantes dos municípios para que essa requisição seja feita oficialmente.
A defensora pública-geral da Defensoria Pública do Estado de Roraima, Terezinha Muniz, esteve presente nas duas edições do Encontro de Mulheres Refugiadas e Migrantes do Norte e reforçou a importância desse contato direto e troca de informações. “Nós atuamos com políticas públicas, somos protagonistas na execução e na formação dessas políticas, e a melhor política é aquela que demanda da população que necessita. Eu estar aqui nesse momento, ouvindo as necessidades das mulheres, tem uma importância enorme porque a partir dessa demanda que a própria Defensoria Pública traça sua atuação em prol dessas mulheres”, destacou.
Particularidades locais
A escolha de Boa Vista para o encontro tem papel estratégico, já que o estado de Roraima representa a principal porta de entrada das pessoas vindas da Venezuela nos últimos anos. Com a realização do evento, espera-se contribuir para o desenho de políticas públicas que atendam às necessidades e demandas das mulheres refugiadas e migrantes que vivem na Região Norte, além de aprimorar o acesso aos serviços públicos, visando a criação de política estadual de migração e a constituição do Núcleo Estadual de Mulheres Refugiadas e Migrantes.
O olhar para as mulheres e meninas é fundamental, pois elas são as populações mais afetadas nas crises humanitárias, evidenciando pontos críticos como a pobreza, separação familiar, discriminações em oportunidades de trabalho, mudanças nos papéis de gênero, barreiras no acesso a serviços de proteção e exposição a maiores riscos de violência.
Sobre o Moverse
No Brasil, ACNUR, ONU Mulheres e UNFPA, com o financiamento do Governo de Luxemburgo, desenvolvem conjuntamente o programa Moverse – Empoderamento Econômico de Mulheres Refugiadas e Migrantes. O objetivo é o fortalecimento dos direitos econômicos e das oportunidades de desenvolvimento entre venezuelanas refugiadas e migrantes. O programa é realizado desde setembro de 2021 e envolve empresas, instituições e governos nos temas e ações ligadas a trabalho decente, proteção social e empreendedorismo. O Moverse também atua diretamente com mulheres refugiadas e migrantes, para que elas tenham acesso a capacitações e a oportunidades no mercado de trabalho e no empreendedorismo. Outra frente de trabalho do programa é ligada à violência baseada em gênero. Para receber informações sobre o Moverse, inscreva-se na newsletter.