Professor moçambicano se dedica a pesquisa sobre integração de pessoas refugiadas no Brasil
Professor moçambicano se dedica a pesquisa sobre integração de pessoas refugiadas no Brasil
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Carlos Mabutana em sala de aula na Universidade de São Paulo
O professor e pesquisador moçambicano Carlos Mabutana é um exemplo de como a adoção de soluções para pessoas deslocadas à força pode transformar vidas e enriquecer sociedades.
Solicitante da condição de refugiado no Brasil e doutor em Saúde Pública, ele atuou como pesquisador e professor visitante em uma das mais prestigiadas universidades da América Latina, a Universidade de São Paulo (USP). Isso foi possível graças a uma bolsa do Programa de Solidariedade Acadêmica da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), órgão ligado ao Ministério da Educação do Brasil.
A pesquisa a que Carlos se dedica é voltada à integração local de pessoas refugiadas, e reúne dados e informações sobre os desafios para a inclusão dessa população e as formas que ela encontra para superá-los.
Tendo vivido ele mesmo essa trajetória, Carlos gosta de lembrar que, apesar das adversidades, quando são forçados a se deslocar, pessoas refugiadas carregam consigo uma vasta riqueza cultural, intelectual e humana. “Quando acontece essa interação, ninguém perde. As duas sociedades se enriquecem e isso é muito importante para essas pessoas”.
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O professor visitante Carlos Mabutana percorre a biblioteca durante jornada de trabalho na Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP), no dia 10 de maio de 2024.
A pesquisa é coordenada pela professora Ana Carolina Rodrigues, titular da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da USP e orientadora de Carlos. Ela explica que o objetivo é trazer uma abordagem mais crítica do estudo de vínculos, com olhar para contextos de vulnerabilização e precarização em três frentes: trabalhadores informais, comunidades ameaçadas e pessoas refugiadas no Brasil, na Holanda e na Turquia.
“A gente tem uma expectativa de que os resultados possam contribuir para, cada vez mais, entender e olhar para essas pessoas, e poder transformar isso em conhecimento para a sala de aula, para políticas públicas, para a gestão e para a sociedade de modo geral”, diz Ana Carolina.
Transformação social e inclusão
Carlos também acredita em um ambiente acadêmico que seja não apenas um espaço de aprendizado, mas também de transformação social e inclusão. E é na sala de aula, falando para os alunos da disciplina de Gestão Inclusiva, que ele tem as maiores expectativas de mudança. “Há essa perspectiva de despertar nos alunos – futuros gestores, administradores, CEOs – a necessidade que existe da inclusão social. Que todos sejam incluídos dentro do mercado de trabalho, que todos sejam respeitados como atores sociais, como construtores da nossa sociedade”, afirma.
“Quando acontece essa interação, ninguém perde. As duas sociedades se enriquecem e isso é muito importante para essas pessoas.”
O estudante de Administração Gustavo de Souza é um dos alunos que está recebendo a orientação de Carlos para finalizar o Trabalho de Conclusão de Curso. Ele estuda as diferenças da identificação dos alunos com a universidade com base na escolarização prévia. “O professor Carlos tem sido muito importante, tanto na definição do tema como nas definições iniciais da pesquisa. Ele está sempre disponível para me responder prontamente”, diz Gustavo.
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O professor visitante Carlos Mabutana participa de encontro de mentoria com a professora Ana Carolina Rodrigues e o pós-graduando Gustavo Ricardo de Souza, na Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP) no dia 10 de maio de 2024
Trajetória na educação
Carlos tem um compromisso profundo com a educação. Filho de uma trabalhadora doméstica e de um operário, ele conta que, além da escola, sempre foi educado pelos pais, tios e avós. “Todos se envolveram na minha educação. Eu ‘bebi’ muito da minha avó, da minha mãe, dos meus tios, das minhas tias, de toda a família. Eu vi o esforço que meu pai fez. Minha mãe é analfabeta, ela deu muito e o meu pai sempre trouxe isso para a minha mente, que eu deveria estudar”, relata.
Carlos iniciou sua trajetória acadêmica em Moçambique, onde se formou professor de Ética e atuou na formação de outros educadores. Em 2017, após sofrer perseguição no país de origem, ele chegou ao Brasil para realizar seu doutorado na Universidade de Brasília (UnB), uma experiência que ampliou ainda mais sua visão do mundo. “O doutorado me ofereceu ainda mais esses vários olhos para essas diversas janelas. Olhar para o mundo e perceber que nós não temos no mundo um olhar absoluto”, reflete.
“Professores são como abelhas. A gente vai levando essas contribuições para as flores, mas não é a gente que floresce.”
Mesmo com um diploma de doutorado no currículo, Carlos ficou apreensivo com o futuro no Brasil. Ele sabia que queria continuar trabalhando com pesquisa acadêmica, mas não encontrava oportunidades na área.
Até se deparar com o Programa de Desenvolvimento da Pós-Graduação Emergencial de Solidariedade Acadêmica da CAPES, cujo objetivo é apoiar projetos que propiciem o acolhimento de docentes e pesquisadores refugiados, solicitantes de refúgio, apátridas ou em situação de acolhimento humanitário com interesse em atuar como professores visitantes na pós-graduação no Brasil.
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Carlos Mabutana caminha em direção à estação Vila Madalena do metrô a caminho da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP)
“Esse programa reforça uma série de iniciativas da CAPES voltadas à inclusão. Ao acolher professores e pesquisadores refugiados no nosso sistema de pós-graduação, o Brasil contribui não só com o intercâmbio de conhecimento acadêmico e científico em diversas áreas de pesquisa, mas também para uma cultura mundial de paz e solidariedade”, diz a presidente da CAPES, Denise Pires de Carvalho.
Para a professora Ana Carolina, que buscou o programa da CAPES para financiar a participação de Carlos e de outra professora refugiada da Nigéria no seu projeto de pesquisa, existe em seu grupo de estudos um “senso de missão” para desenvolver uma pesquisa que faça diferença para a sociedade e ajude a reduzir desigualdades.
“Eu ouvi uma vez que professores são como abelhas. A gente vai levando essas contribuições para as flores, mas não é a gente que floresce. A gente quer ver essa natureza se desenvolvendo, florescendo, se integrando. Eu acho que essa é a palavra: integrando, cada vez mais. Eu, Carlos, e os outros professores, a gente faz isso com muito amor”, conclui.